segunda-feira, 9 de abril de 2018

HOMEM NA LUA




HOMEM NA LUA (1997)


“Temos que escolher onde queremos viver. Se na selva ou no jardim zoológico. Se quiseres viver na beleza e em liberdade, escolhes a selva. Se preferires a segurança, optas pelo jardim zoológico”, esta é uma das frases preferidas de Milos Forman, o realizador de “Homem na Lua”. Nascido na Checoslováquia, órfão de pai e mãe, ambos assassinados em campos de concentração nazis, estudou na escola de cinema de Praga, estreia-se na realização com curtas interessantes, e depois com três comédias críticas sobre a sociedade e o sistema checoslovaco na época, “Ás de Espadas”, “Os Amores de Uma Loira” e o magnífico “O Baile dos Bombeiros”, que lhe abriram as portas do Ocidente. Instalado nos EUA, reanima a sua obra com filmes de uma enorme coerência e unidade de tom e de temas, podemos mesmo dizer de obsessões. A marginalidade, a luta pela liberdade, a genialidade mais ou menos incompreendida, o confronto com os poderes instituídos são alguns dos grandes temas que povoam a sua obra, que se estende por “Os Amores de Uma Adolescente” (1971), “Voando Sobre Um Ninho de Cucos” (1975), “Hair” (1979), “Ragtime” (1981), “Amadeus” (1984), “Valmont” (1989), “Larry Flynt” (1996), “Homem na Lua” (1999) ou “Os Fantasmas de Goya” (2006).
“Homem na Lua” baseia-se nalguns momentos na vida de Andrew Geoffrey Kaufman (Nova Iorque, 17 de Janeiro de 1949 - Los Angeles, 16 de Maio de 1984) que foi um cantor, dançarino e actor norte-americano muito particular, com uma vida privada atribulada e uma profissional não menos conturbada. Tornou-se conhecido em shows e performances extremamente contundentes, politicamente incorrectas, imprevisíveis. Foi contratado pela American Broadcasting Company (ABC) para integrar o elenco da série televisiva “Taxi”, criando a personagem do estrangeiro Latka Gravas, com o qual o humorista quebrou todas as estruturas da comédia convencional, apresentando números vanguardistas no teatro e em eventos públicos diversos. Conquistou igualmente o sucesso ao interpretar Elvis Presley e parodiar outras personalidades. Criou mesmo personagens como o cantor Tony Clifton, que surgia do nada e ninguém conseguia localizar. Integrou igualmente o grupo que concebia o programa Saturday Night Live. Não era, portanto, um actor bem-comportado e, muitas vezes, insultava o público, irritava-o, inventava histórias falsas e queria ser o melhor artista do mundo. Depois de despedido da ABC, passou a fazer shows em ringues de luta livre, onde desafiava mulheres. Era considerado louco por muitos e génio por poucos. Em 1984, Kaufman anunciou que sofria de cancro no pulmão, mas raros acreditaram nessa nova sua “piada” de mau gosto, que se viria revelar verdadeira. Faleceu em Los Angeles, a 16 de Maio desse ano, mas há quem acredite que está vivo. Em Novembro de 2013, o irmão de Andy afirmara que ele pode estar vivo e escondido. Michael Kaufman revelou que tinha encontrado no arquivo do irmão um plano para fingir a sua morte. Noticiou-se que “uma alegada filha de Andy Kaufman, de 24 anos, subira ao palco numa cerimónia da entrega dos prémios com o nome do pai, para explicar que Andy Kaufman é "um óptimo pai que fica em casa, cozinha e toma conta do lar". Mas um site de entretenimento, "The Smoking Gun", revelou que a alegada filha não passava de uma atriz nova-iorquina, chamada Alexandra Tatarsky, e que não tem qualquer relação familiar com o comediante.


Tal como acontecera com “Larry Flynt”, por exemplo, Milos Forman atém-se a alguns momentos da vida de Andy Kaufman para erguer o retrato de uma personagem contraditória, difícil de definir, um ser obviamente associal, que não se integra, ou não se deixa integrar, no esquema tradicional da sociedade. Não há julgamentos morais, há quanto muito um olhar de simpatia e de certa cumplicidade, para o que concorre muito o notável trabalho de Jim Carrey, importantíssimo para conferir credibilidade a uma figura como esta.  Representando sempre no fio da navalha, entre o realismo e a toada humorista, sarcástica, Jim Carey oferece aqui um dos seus momentos de eleição. Mas Milos Forman conta ainda com uma excelente direcção artística, recriando ambientes e situações, uma fotografia a condizer, e uma montagem que subinha discretamente certas situações. Todo o elenco restante é igualmente bastante eficaz e por vezes mesmo inspirado: Danny DeVito, Paul Giamatti, Courtney Love, George Shapiro, entre outros. Um filme que nos deixa inquietos, indefinidos no olhar, perplexos quanto à personagem, por vezes incómoda, por vezes simpática, mas que é indiscutivelmente uma obra provocadora e envolvente, a que não se resiste, ame-se ou não. Curiosamente, Karaszewski e Alexander, os argumentistas, parecem especializados em temas deste tipo, já que foram eles que escreveram os argumentos de “Ed Wood”, de Tim Burton, e o já referido “Larry Flint”. Na banda sonora descobrem-se vários temas compostos pelo próprio Andy Kaufman, além de canções da banda norte-americana R.E.M. “Man on the Moon” ganhou o Globo de Ouro para Melhor Actor de Comédia ou Musical (Jim Carrey).


HOMEM NA LUA
Título original: Man on the Moon
Realização: Milos Forman (EUA, Inglaterra, Alemanha, Japão, 1999); Argumento: Scott Alexander, Larry Karaszewski; Produção: Pamela Abdy, Danny DeVito, Scott Ferguson, Michael Hausman, Michael Shamberg, George Shapiro, Stacey Sher, Howard West, Bob Zmuda; Música: R.E.M.; Fotografia (cor): Anastas N. Michos; Montagem: Adam Boome, Lynzee Klingman, Christopher Tellefsen; Casting: Francine Maisler; Design de produção: Patrizia von Brandenstein; Direcção artística: James F. Truesdale; Decoração: Maria Nay; Guarda-roupa: Jeffrey Kurland; Maquilhagem: Ve Neil, Yolanda Toussieng, Bob Zmuda; Direcção de Produção: Gerry Robert Byrne, Michael Hausman, Henning Molfenter; Assistentes de realização: Timothy Grant Engle, Stephen E. Hagen, David McGiffert, Michael Risoli, Michael Smith; Departamento de arte: Jason Bedig, Martin Bernstein, Michael Curry Sr., David Elliott, Ray Kluga, Timothy Metzger, Karla Triska; Som: Ron Bochar, Alice Byrne, Kam Chan, Gregg Harris, Pat McCarthy, Marc-Jon Sullivan, etc.; Efeitos especiais: Larry Fioritto, Virgil Sanchez; Efeitos visuais: Randall Balsmeyer, Daniel Leung; Companhias de produção:Universal Pictures, Mutual Film Company, Jersey Films, Cinehaus, Shapiro/West Productions, Tele München Fernseh Produktionsgesellschaft, British Broadcasting Corporation (BBC), Marubeni, Toho-Towa; Intérpretes: Jim Carrey (Andy Kaufman / Tony Clifton), Danny DeVito (George Shapiro), Paul Giamatti (Bob Zmuda), Courtney Love (Lynne Margulies), Gerry Becker (Stanley Kaufman, pai de Andy), Leslie Lyles (Janice Kaufman, mãe de Andy), George Shapiro (Mr. Besserman) Budd Friedman (Budd Friedman), Greyson Erik Pendry, Brittany Colonna, Bobby Boriello, Tom Dreesen, Thomas Armbruster, Pamela Abdy, Wendy Polland, Cash Oshman, Matt Price, Christina Cabot, Richard Belzer, Melanie Vesey, Michael Kelly, Miles Chapin, Isadore Rosenfeld, Vincent Schiavelli, Molly Schaffer, Howard West, Greg Travis, Maureen Mueller, Philip Perlman, Jessica Devlin, Jeff Thomas, Peter Bonerz, Howard Keystone, Howdy Doody, Brent Briscoe, Ray Bokhour, Patton Oswalt, Caroline Gibson, Conrad Roberts, Jeff Zabel, Marilyn Sokol, Angela Jones, Krystina Carson, Patricia Scanlon, Reiko Aylesworth, Michael Villani, Jim Ross, Jerry Lawler, Bob Zmuda, Johnny Legend, Doris Eaton, Yoshi Jenkins, New York City Rockettes, etc. 114 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 10 de Março de 2000.

domingo, 1 de abril de 2018

O SEM VERGONHA




O SEM-VERGONHA (1999)

Hollywood gosta de se autoparodiar e aceita de bom grado a autocrítica, se ela lhe trouxer dividendos. Desde há muito. Quem se não lembra dessa fabulosa comédia musical de Gene Kelly e Stanley Donen, “Serenata à Chuva” (Singin' in the Rain, 1952), ou mesmo desse drama denso e crispado que Billy Wilder assinou, “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950)?
Mas há muitos outros títulos a justificar amplamente uma citação, o que aqui se faz de forma muito rápida e sucinta, para avivar a memória de quem os recorda ou referi-los como boa escolha para quem os não conhece. Comecemos pelas comédias, algumas bem verrinosas, outras mais amenas e de olhar ternurento: “Tudo Boa Gente” (S.O.B, 1981), e “A Festa” (The Party, 1968), dois títulos de Blake Edwards, são dos retratos mais divertidos e desapiedados de Hollywood. “O Jogador” (The Player), de Robert Altman (1992), iguala-os. A considerar ainda “A Última Loucura” (Silent Movie), de Mel Brooks (1976), “O Maior Amante do Mundo” (The World’s Greatest Lover), de Gene Wilder (1977), “A Musa” (The Muse), de Albert Brooks (1999), “Três Amigos” (Three Amigos!), de John Landis, “As Três Noites de Susana” (Susan Slept Here), de Frank Tashlin (1954) ou, do mesmo Frank Tashlin, “Um Espada para Hollywood” (Hollywood or Bust, 1956), com Jerry Lewis que, por sua vez, nos deu um magnífico retrato de Hollywood em “Jerry 8 ¾” (The Patsy, 1964). Outros grandes actores cómicos nos ofereceram olhares sobre Hollywood, logo desde ainda na época do cinema mudo, como o fabuloso “Sherlock Holmes Jr.” (Sherlock Jr., 1924), de Buster Keaton. “Parada de Malucos” (Hellzapoppin), de H.C. Potter (1941), “A Quimera do Riso” (Sullivan’s Travels), de Preston Sturges (1942), “A Rosa Púrpura do Cairo” (The Purple Rose of Cairo, 1985) e “Recordações” (Stardust Memories, 1980), ambos de Woody Allen, “Quando Paris Delira” (Paris When It Sizzles), de Richard Quine (1964), “The Stunt Man - O Fugitivo” (The Stunt Man), de Richard Rush (1980) são outros exemplos, sendo que “Tempestade Tropical” (Tropic Thunder), de Ben Stiller (2008) e “O Artista” (The Artist), de Michel Hazavanicius (2011) são dois dos mais recentes.
Do lado do drama e do retrato por vezes negro da indústria do cinema haverá igualmente muito a citar, e quase sempre de boa qualidade, ou não fossem confissões de quem sabe do que está a falar. “Cativos do Mal” (The Bad and the Beautiful, 1952) e o seu prolongamento italiano “Duas Semanas Noutra Cidade” (Two Weeks in Another Town, 1962), ambos de Vincente Minnelli são bons exemplos para iniciar esta viagem. “O Grande Magnate” (The Last Tycoon), de Elia Kazan (1976), “Matar ou Não Matar” (In A Lonely Place), de Nicholas Ray (1950), “O Desprezo” (Le Mépris, 1963), de Jean-Luc Godard, “Os Insaciáveis” (The Carpetbaggers), de Edward Dmytryk (1964), “O Nosso Amor de Ontem” (The Way We Were), de Sydney Pollack (1973), “O Dia dos Gafanhotos” (The Day of the Locust), de John Schlesinger (1975), “Valentino”, de Ken Russell (1977), “Shampoo”, de Hal Ashby (1975), “Hollywood Boulevard”, de Allan Arkush, Joe Dante (1976), “Manobras na Casa Branca” (Wag the Dog), de Barry Levinson (1997), “LA Confidential”, de Curtis Hanson (1997), “Modern Romance”, de Albert Brooks (1981), “Ed Wood”, de Tim Burton (1994), “Deuses e Monstros”(Gods And Monsters), de Bill Condon (1998), “Mulholland Drive”, de David Lynch (2001), “Adaptação” (Adaptation) Spyke Jones (2002), “Barton Fink”, dos Irmãos Coen (1991), “Somewhere – Algures”, de Sofia Coppola (2010), “RKO 281”, de Benjamin Ross (1999), “Sete Psicopatas” (Seven Psychopaths), de Martin McDonagh (2012), “O Aviador” (The Aviator), de Martin Scorsese (2004), “State and Main”, de David Mamet (2000), “Mapas Para as Estrelas” (Maps To The Stars), de David Cronenberg (2014), entre muitos outros, abordam o universo da indústria cinematográfica norte-americana com resultados diversos, é certo, mas quase sempre interessantes. Há mesmo temas que oferecem visões distintas ao longo das décadas. “Assim Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de George Cukor, na sua versão de 1954, com Judy Garland e James Mason, é talvez o exemplo mais marcante, o mesmo Cukor dirigira “What Price Hollywood”, em 1932, com Constance Bennett e Lowell Sherman, abordando o mesmo caso da actriz envolvida com um produtor alcoólico. “Nasceu Uma Estrela” (A Star is Born), desta feita com realização de William Wellman, e interpretação de Fredric March e Janet Gaynor, data de 1937, sendo que a versão mais recente “Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de 1976, traz a assinatura de Frank Pierson, e a presença de Barbra Streisand e Kris Kristofferson.
Muito interessante é, pois, neste contexto, “Bowfinger”, que parte de um excelente argumento de Steve Martin com realização a condizer, de Frank Oz. Bowfinger (Steve Martin) é um pequeno produtor de Hollywood, sem grandes escrúpulos, que procura por todos os meios ao seu alcance, e não só, realizar o filme que o irá lançar na grande indústria. Acha que tem nas mãos o argumento da sua vida e precisa de um actor de prestígio para vender o produto. Kit Ramsey (Eddie Murphy) é o indicado, porém este nem sequer lê o script. Mas, como quem não tem cão caça com gato, Bowfinger resolve rodar o filme com o actor, sem este saber. O resultado será inesperado ...
Muito mais inesperado é o tom de violenta crítica que “O Sem-Vergonha” consegue manter ao longo de toda a obra, com uma sucessão de gags extremamente bem conseguidos e servidos por um elenco brilhante, que ajuda a fazer deste filme uma das melhores comédias de finais da década de 90.


O SEM-VERGONHA
Título original: Bowfinger
Realização: Frank Oz (EUA, 1999); Argumento: Steve Martin; Produção: Kathleen M. Courtney, Brian Grazer, Karen Kehela Sherwood, Bernard Williams; Música: David Newman; Fotografia (cor): Ueli Steiger; Montagem: Richard Pearson; Casting: Margery Simkin; Design de produção: Jackson De Govia; Direcção artística: Tom Reta; Decoração: K.C. Fox; Guarda-roupa: Joseph G. Aulisi; Maquilhagem: Gary Archer, Steve Artmont, Frank Griffin, Stacey Morris, Gloria Ponce, Rick Sharp, Alicia M. Tripi, Toy Van Lierop, Toni-Ann Walker; Direcção de Produção: Leslie J. Converse, Bernard Williams; Assistentes de realização: Michele Panelli-Venetis, Matt Rebenkoff, Evan Gilner, Basil Grillo; Departamento de arte: Marc Baird, Bryan Belair, Susan A. Burig, Matt Callahan, Les Gobruegge, Karl J. Martin, Melissa Mollo, Dawn Snyder, Rick Young; Som: Brendan Beebe, Ron Bochar, Martin Raymond Bolger, Lewis Goldstein, Dennis Jones; Efeitos especiais: Phil Cory, Richard Cory, Matthew W. Mungle; Efeitos visuais: Kelly G. Crawford, Syd Dutton, Bill Taylor; Companhias de produção:Universal Pictures, Imagine Entertainment; Intérpretes: Steve Martin (Robert K. Bowfinger), Eddie Murphy (Kit Ramsey / Jefferson 'Jiff' Ramsey), Heather Graham (Daisy), Christine Baranski (Carol), Jamie Kennedy (Dave), Adam Alexi-Malle (Afrim), Kohl Sudduth (Slater), Barry Newman (Hal, agente de Kitt), Terence Stamp (Terry Stricter), Robert Downey Jr. (Jerry Renfro), Alejandro Patiño (Sanchez), Alfred De Contreras (Martinez), Ramiro Fabian (Hector), Johnny Sanchez (Luis), Claude Brooks (Freddy), Kevin Scannell, John Prosky, Michael Dempsey, Walter Powell, Phill Lewis, Marisol Nichols, Nathan Anderson, Brogan Roche, John Cho, Lloyd Berman, Zaid Farid, Aaron Brumfield, etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Universal Pictures Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Novembro de 1999.