domingo, 1 de abril de 2018

O SEM VERGONHA




O SEM-VERGONHA (1999)

Hollywood gosta de se autoparodiar e aceita de bom grado a autocrítica, se ela lhe trouxer dividendos. Desde há muito. Quem se não lembra dessa fabulosa comédia musical de Gene Kelly e Stanley Donen, “Serenata à Chuva” (Singin' in the Rain, 1952), ou mesmo desse drama denso e crispado que Billy Wilder assinou, “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950)?
Mas há muitos outros títulos a justificar amplamente uma citação, o que aqui se faz de forma muito rápida e sucinta, para avivar a memória de quem os recorda ou referi-los como boa escolha para quem os não conhece. Comecemos pelas comédias, algumas bem verrinosas, outras mais amenas e de olhar ternurento: “Tudo Boa Gente” (S.O.B, 1981), e “A Festa” (The Party, 1968), dois títulos de Blake Edwards, são dos retratos mais divertidos e desapiedados de Hollywood. “O Jogador” (The Player), de Robert Altman (1992), iguala-os. A considerar ainda “A Última Loucura” (Silent Movie), de Mel Brooks (1976), “O Maior Amante do Mundo” (The World’s Greatest Lover), de Gene Wilder (1977), “A Musa” (The Muse), de Albert Brooks (1999), “Três Amigos” (Three Amigos!), de John Landis, “As Três Noites de Susana” (Susan Slept Here), de Frank Tashlin (1954) ou, do mesmo Frank Tashlin, “Um Espada para Hollywood” (Hollywood or Bust, 1956), com Jerry Lewis que, por sua vez, nos deu um magnífico retrato de Hollywood em “Jerry 8 ¾” (The Patsy, 1964). Outros grandes actores cómicos nos ofereceram olhares sobre Hollywood, logo desde ainda na época do cinema mudo, como o fabuloso “Sherlock Holmes Jr.” (Sherlock Jr., 1924), de Buster Keaton. “Parada de Malucos” (Hellzapoppin), de H.C. Potter (1941), “A Quimera do Riso” (Sullivan’s Travels), de Preston Sturges (1942), “A Rosa Púrpura do Cairo” (The Purple Rose of Cairo, 1985) e “Recordações” (Stardust Memories, 1980), ambos de Woody Allen, “Quando Paris Delira” (Paris When It Sizzles), de Richard Quine (1964), “The Stunt Man - O Fugitivo” (The Stunt Man), de Richard Rush (1980) são outros exemplos, sendo que “Tempestade Tropical” (Tropic Thunder), de Ben Stiller (2008) e “O Artista” (The Artist), de Michel Hazavanicius (2011) são dois dos mais recentes.
Do lado do drama e do retrato por vezes negro da indústria do cinema haverá igualmente muito a citar, e quase sempre de boa qualidade, ou não fossem confissões de quem sabe do que está a falar. “Cativos do Mal” (The Bad and the Beautiful, 1952) e o seu prolongamento italiano “Duas Semanas Noutra Cidade” (Two Weeks in Another Town, 1962), ambos de Vincente Minnelli são bons exemplos para iniciar esta viagem. “O Grande Magnate” (The Last Tycoon), de Elia Kazan (1976), “Matar ou Não Matar” (In A Lonely Place), de Nicholas Ray (1950), “O Desprezo” (Le Mépris, 1963), de Jean-Luc Godard, “Os Insaciáveis” (The Carpetbaggers), de Edward Dmytryk (1964), “O Nosso Amor de Ontem” (The Way We Were), de Sydney Pollack (1973), “O Dia dos Gafanhotos” (The Day of the Locust), de John Schlesinger (1975), “Valentino”, de Ken Russell (1977), “Shampoo”, de Hal Ashby (1975), “Hollywood Boulevard”, de Allan Arkush, Joe Dante (1976), “Manobras na Casa Branca” (Wag the Dog), de Barry Levinson (1997), “LA Confidential”, de Curtis Hanson (1997), “Modern Romance”, de Albert Brooks (1981), “Ed Wood”, de Tim Burton (1994), “Deuses e Monstros”(Gods And Monsters), de Bill Condon (1998), “Mulholland Drive”, de David Lynch (2001), “Adaptação” (Adaptation) Spyke Jones (2002), “Barton Fink”, dos Irmãos Coen (1991), “Somewhere – Algures”, de Sofia Coppola (2010), “RKO 281”, de Benjamin Ross (1999), “Sete Psicopatas” (Seven Psychopaths), de Martin McDonagh (2012), “O Aviador” (The Aviator), de Martin Scorsese (2004), “State and Main”, de David Mamet (2000), “Mapas Para as Estrelas” (Maps To The Stars), de David Cronenberg (2014), entre muitos outros, abordam o universo da indústria cinematográfica norte-americana com resultados diversos, é certo, mas quase sempre interessantes. Há mesmo temas que oferecem visões distintas ao longo das décadas. “Assim Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de George Cukor, na sua versão de 1954, com Judy Garland e James Mason, é talvez o exemplo mais marcante, o mesmo Cukor dirigira “What Price Hollywood”, em 1932, com Constance Bennett e Lowell Sherman, abordando o mesmo caso da actriz envolvida com um produtor alcoólico. “Nasceu Uma Estrela” (A Star is Born), desta feita com realização de William Wellman, e interpretação de Fredric March e Janet Gaynor, data de 1937, sendo que a versão mais recente “Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de 1976, traz a assinatura de Frank Pierson, e a presença de Barbra Streisand e Kris Kristofferson.
Muito interessante é, pois, neste contexto, “Bowfinger”, que parte de um excelente argumento de Steve Martin com realização a condizer, de Frank Oz. Bowfinger (Steve Martin) é um pequeno produtor de Hollywood, sem grandes escrúpulos, que procura por todos os meios ao seu alcance, e não só, realizar o filme que o irá lançar na grande indústria. Acha que tem nas mãos o argumento da sua vida e precisa de um actor de prestígio para vender o produto. Kit Ramsey (Eddie Murphy) é o indicado, porém este nem sequer lê o script. Mas, como quem não tem cão caça com gato, Bowfinger resolve rodar o filme com o actor, sem este saber. O resultado será inesperado ...
Muito mais inesperado é o tom de violenta crítica que “O Sem-Vergonha” consegue manter ao longo de toda a obra, com uma sucessão de gags extremamente bem conseguidos e servidos por um elenco brilhante, que ajuda a fazer deste filme uma das melhores comédias de finais da década de 90.


O SEM-VERGONHA
Título original: Bowfinger
Realização: Frank Oz (EUA, 1999); Argumento: Steve Martin; Produção: Kathleen M. Courtney, Brian Grazer, Karen Kehela Sherwood, Bernard Williams; Música: David Newman; Fotografia (cor): Ueli Steiger; Montagem: Richard Pearson; Casting: Margery Simkin; Design de produção: Jackson De Govia; Direcção artística: Tom Reta; Decoração: K.C. Fox; Guarda-roupa: Joseph G. Aulisi; Maquilhagem: Gary Archer, Steve Artmont, Frank Griffin, Stacey Morris, Gloria Ponce, Rick Sharp, Alicia M. Tripi, Toy Van Lierop, Toni-Ann Walker; Direcção de Produção: Leslie J. Converse, Bernard Williams; Assistentes de realização: Michele Panelli-Venetis, Matt Rebenkoff, Evan Gilner, Basil Grillo; Departamento de arte: Marc Baird, Bryan Belair, Susan A. Burig, Matt Callahan, Les Gobruegge, Karl J. Martin, Melissa Mollo, Dawn Snyder, Rick Young; Som: Brendan Beebe, Ron Bochar, Martin Raymond Bolger, Lewis Goldstein, Dennis Jones; Efeitos especiais: Phil Cory, Richard Cory, Matthew W. Mungle; Efeitos visuais: Kelly G. Crawford, Syd Dutton, Bill Taylor; Companhias de produção:Universal Pictures, Imagine Entertainment; Intérpretes: Steve Martin (Robert K. Bowfinger), Eddie Murphy (Kit Ramsey / Jefferson 'Jiff' Ramsey), Heather Graham (Daisy), Christine Baranski (Carol), Jamie Kennedy (Dave), Adam Alexi-Malle (Afrim), Kohl Sudduth (Slater), Barry Newman (Hal, agente de Kitt), Terence Stamp (Terry Stricter), Robert Downey Jr. (Jerry Renfro), Alejandro Patiño (Sanchez), Alfred De Contreras (Martinez), Ramiro Fabian (Hector), Johnny Sanchez (Luis), Claude Brooks (Freddy), Kevin Scannell, John Prosky, Michael Dempsey, Walter Powell, Phill Lewis, Marisol Nichols, Nathan Anderson, Brogan Roche, John Cho, Lloyd Berman, Zaid Farid, Aaron Brumfield, etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Universal Pictures Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Novembro de 1999.

Sem comentários:

Enviar um comentário