O SEM-VERGONHA (1999)
Hollywood
gosta de se autoparodiar e aceita de bom grado a autocrítica, se ela lhe
trouxer dividendos. Desde há muito. Quem se não lembra dessa fabulosa comédia
musical de Gene Kelly e Stanley Donen, “Serenata à Chuva” (Singin' in the Rain,
1952), ou mesmo desse drama denso e crispado que Billy Wilder assinou,
“Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950)?
Mas
há muitos outros títulos a justificar amplamente uma citação, o que aqui se faz
de forma muito rápida e sucinta, para avivar a memória de quem os recorda ou
referi-los como boa escolha para quem os não conhece. Comecemos pelas comédias,
algumas bem verrinosas, outras mais amenas e de olhar ternurento: “Tudo Boa
Gente” (S.O.B, 1981), e “A Festa” (The Party, 1968), dois títulos de Blake
Edwards, são dos retratos mais divertidos e desapiedados de Hollywood. “O
Jogador” (The Player), de Robert Altman (1992), iguala-os. A considerar ainda
“A Última Loucura” (Silent Movie), de Mel Brooks (1976), “O Maior Amante do
Mundo” (The World’s Greatest Lover), de Gene Wilder (1977), “A Musa” (The
Muse), de Albert Brooks (1999), “Três Amigos” (Three Amigos!), de John Landis,
“As Três Noites de Susana” (Susan Slept Here), de Frank Tashlin (1954) ou, do
mesmo Frank Tashlin, “Um Espada para Hollywood” (Hollywood or Bust, 1956), com
Jerry Lewis que, por sua vez, nos deu um magnífico retrato de Hollywood em
“Jerry 8 ¾” (The Patsy, 1964). Outros grandes actores cómicos nos ofereceram
olhares sobre Hollywood, logo desde ainda na época do cinema mudo, como o
fabuloso “Sherlock Holmes Jr.” (Sherlock Jr., 1924), de Buster Keaton. “Parada
de Malucos” (Hellzapoppin), de H.C. Potter (1941), “A Quimera do Riso”
(Sullivan’s Travels), de Preston Sturges (1942), “A Rosa Púrpura do Cairo” (The
Purple Rose of Cairo, 1985) e “Recordações” (Stardust Memories, 1980), ambos de
Woody Allen, “Quando Paris Delira” (Paris When It Sizzles), de Richard Quine
(1964), “The Stunt Man - O Fugitivo” (The Stunt Man), de Richard Rush (1980)
são outros exemplos, sendo que “Tempestade Tropical” (Tropic Thunder), de Ben
Stiller (2008) e “O Artista” (The Artist), de Michel Hazavanicius (2011) são
dois dos mais recentes.
Do
lado do drama e do retrato por vezes negro da indústria do cinema haverá
igualmente muito a citar, e quase sempre de boa qualidade, ou não fossem
confissões de quem sabe do que está a falar. “Cativos do Mal” (The Bad and the
Beautiful, 1952) e o seu prolongamento italiano “Duas Semanas Noutra Cidade”
(Two Weeks in Another Town, 1962), ambos de Vincente Minnelli são bons exemplos
para iniciar esta viagem. “O Grande Magnate” (The Last Tycoon), de Elia Kazan
(1976), “Matar ou Não Matar” (In A Lonely Place), de Nicholas Ray (1950), “O
Desprezo” (Le Mépris, 1963), de Jean-Luc Godard, “Os Insaciáveis” (The
Carpetbaggers), de Edward Dmytryk (1964), “O Nosso Amor de Ontem” (The Way We
Were), de Sydney Pollack (1973), “O Dia dos Gafanhotos” (The Day of the
Locust), de John Schlesinger (1975), “Valentino”, de Ken Russell (1977),
“Shampoo”, de Hal Ashby (1975), “Hollywood Boulevard”, de Allan Arkush, Joe Dante
(1976), “Manobras na Casa Branca” (Wag the Dog), de Barry Levinson (1997), “LA
Confidential”, de Curtis Hanson (1997), “Modern Romance”, de Albert Brooks
(1981), “Ed Wood”, de Tim Burton (1994), “Deuses e Monstros”(Gods And
Monsters), de Bill Condon (1998), “Mulholland Drive”, de David Lynch (2001),
“Adaptação” (Adaptation) Spyke Jones (2002), “Barton Fink”, dos Irmãos Coen
(1991), “Somewhere – Algures”, de Sofia Coppola (2010), “RKO 281”, de Benjamin
Ross (1999), “Sete Psicopatas” (Seven Psychopaths), de Martin McDonagh (2012),
“O Aviador” (The Aviator), de Martin Scorsese (2004), “State and Main”, de
David Mamet (2000), “Mapas Para as Estrelas” (Maps To The Stars), de David
Cronenberg (2014), entre muitos outros, abordam o universo da indústria cinematográfica
norte-americana com resultados diversos, é certo, mas quase sempre
interessantes. Há mesmo temas que oferecem visões distintas ao longo das
décadas. “Assim Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de George Cukor, na sua
versão de 1954, com Judy Garland e James Mason, é talvez o exemplo mais
marcante, o mesmo Cukor dirigira “What Price Hollywood”, em 1932, com Constance
Bennett e Lowell Sherman, abordando o mesmo caso da actriz envolvida com um
produtor alcoólico. “Nasceu Uma Estrela” (A Star is Born), desta feita com
realização de William Wellman, e interpretação de Fredric March e Janet Gaynor,
data de 1937, sendo que a versão mais recente “Nasce Uma Estrela” (A Star is
Born), de 1976, traz a assinatura de Frank Pierson, e a presença de Barbra Streisand
e Kris Kristofferson.
Muito
interessante é, pois, neste contexto, “Bowfinger”, que parte de um excelente
argumento de Steve Martin com realização a condizer, de Frank Oz. Bowfinger
(Steve Martin) é um pequeno produtor de Hollywood, sem grandes escrúpulos, que
procura por todos os meios ao seu alcance, e não só, realizar o filme que o irá
lançar na grande indústria. Acha que tem nas mãos o argumento da sua vida e
precisa de um actor de prestígio para vender o produto. Kit Ramsey (Eddie
Murphy) é o indicado, porém este nem sequer lê o script. Mas, como quem não tem
cão caça com gato, Bowfinger resolve rodar o filme com o actor, sem este saber.
O resultado será inesperado ...
Muito
mais inesperado é o tom de violenta crítica que “O Sem-Vergonha” consegue
manter ao longo de toda a obra, com uma sucessão de gags extremamente bem
conseguidos e servidos por um elenco brilhante, que ajuda a fazer deste filme
uma das melhores comédias de finais da década de 90.
O SEM-VERGONHA
Título original:
Bowfinger
Realização: Frank Oz (EUA, 1999); Argumento: Steve Martin; Produção: Kathleen M.
Courtney, Brian Grazer, Karen Kehela Sherwood, Bernard Williams; Música: David
Newman; Fotografia (cor): Ueli Steiger; Montagem: Richard Pearson; Casting:
Margery Simkin; Design de produção: Jackson De Govia; Direcção artística: Tom
Reta; Decoração: K.C. Fox; Guarda-roupa: Joseph G. Aulisi; Maquilhagem: Gary
Archer, Steve Artmont, Frank Griffin, Stacey Morris, Gloria Ponce, Rick Sharp,
Alicia M. Tripi, Toy Van Lierop, Toni-Ann Walker; Direcção de Produção: Leslie
J. Converse, Bernard Williams; Assistentes de realização: Michele
Panelli-Venetis, Matt Rebenkoff, Evan Gilner, Basil Grillo; Departamento de
arte: Marc Baird, Bryan Belair, Susan A. Burig, Matt Callahan, Les Gobruegge, Karl
J. Martin, Melissa Mollo, Dawn Snyder, Rick Young; Som: Brendan Beebe, Ron
Bochar, Martin Raymond Bolger, Lewis Goldstein, Dennis Jones; Efeitos
especiais: Phil Cory, Richard Cory, Matthew W. Mungle; Efeitos visuais: Kelly
G. Crawford, Syd Dutton, Bill Taylor; Companhias de produção:Universal
Pictures, Imagine Entertainment; Intérpretes:
Steve Martin (Robert K. Bowfinger), Eddie Murphy (Kit Ramsey / Jefferson 'Jiff'
Ramsey), Heather Graham (Daisy), Christine Baranski (Carol), Jamie Kennedy
(Dave), Adam Alexi-Malle (Afrim), Kohl Sudduth (Slater), Barry Newman (Hal,
agente de Kitt), Terence Stamp (Terry Stricter), Robert Downey Jr. (Jerry
Renfro), Alejandro Patiño (Sanchez), Alfred De Contreras (Martinez), Ramiro
Fabian (Hector), Johnny Sanchez (Luis), Claude Brooks (Freddy), Kevin Scannell,
John Prosky, Michael Dempsey, Walter Powell, Phill Lewis, Marisol Nichols,
Nathan Anderson, Brogan Roche, John Cho, Lloyd Berman, Zaid Farid, Aaron
Brumfield, etc. Duração: 97 minutos;
Distribuição em Portugal: Universal Pictures Portugal; Classificação etária: M/
12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Novembro de 1999.
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