segunda-feira, 9 de abril de 2018

HOMEM NA LUA




HOMEM NA LUA (1997)


“Temos que escolher onde queremos viver. Se na selva ou no jardim zoológico. Se quiseres viver na beleza e em liberdade, escolhes a selva. Se preferires a segurança, optas pelo jardim zoológico”, esta é uma das frases preferidas de Milos Forman, o realizador de “Homem na Lua”. Nascido na Checoslováquia, órfão de pai e mãe, ambos assassinados em campos de concentração nazis, estudou na escola de cinema de Praga, estreia-se na realização com curtas interessantes, e depois com três comédias críticas sobre a sociedade e o sistema checoslovaco na época, “Ás de Espadas”, “Os Amores de Uma Loira” e o magnífico “O Baile dos Bombeiros”, que lhe abriram as portas do Ocidente. Instalado nos EUA, reanima a sua obra com filmes de uma enorme coerência e unidade de tom e de temas, podemos mesmo dizer de obsessões. A marginalidade, a luta pela liberdade, a genialidade mais ou menos incompreendida, o confronto com os poderes instituídos são alguns dos grandes temas que povoam a sua obra, que se estende por “Os Amores de Uma Adolescente” (1971), “Voando Sobre Um Ninho de Cucos” (1975), “Hair” (1979), “Ragtime” (1981), “Amadeus” (1984), “Valmont” (1989), “Larry Flynt” (1996), “Homem na Lua” (1999) ou “Os Fantasmas de Goya” (2006).
“Homem na Lua” baseia-se nalguns momentos na vida de Andrew Geoffrey Kaufman (Nova Iorque, 17 de Janeiro de 1949 - Los Angeles, 16 de Maio de 1984) que foi um cantor, dançarino e actor norte-americano muito particular, com uma vida privada atribulada e uma profissional não menos conturbada. Tornou-se conhecido em shows e performances extremamente contundentes, politicamente incorrectas, imprevisíveis. Foi contratado pela American Broadcasting Company (ABC) para integrar o elenco da série televisiva “Taxi”, criando a personagem do estrangeiro Latka Gravas, com o qual o humorista quebrou todas as estruturas da comédia convencional, apresentando números vanguardistas no teatro e em eventos públicos diversos. Conquistou igualmente o sucesso ao interpretar Elvis Presley e parodiar outras personalidades. Criou mesmo personagens como o cantor Tony Clifton, que surgia do nada e ninguém conseguia localizar. Integrou igualmente o grupo que concebia o programa Saturday Night Live. Não era, portanto, um actor bem-comportado e, muitas vezes, insultava o público, irritava-o, inventava histórias falsas e queria ser o melhor artista do mundo. Depois de despedido da ABC, passou a fazer shows em ringues de luta livre, onde desafiava mulheres. Era considerado louco por muitos e génio por poucos. Em 1984, Kaufman anunciou que sofria de cancro no pulmão, mas raros acreditaram nessa nova sua “piada” de mau gosto, que se viria revelar verdadeira. Faleceu em Los Angeles, a 16 de Maio desse ano, mas há quem acredite que está vivo. Em Novembro de 2013, o irmão de Andy afirmara que ele pode estar vivo e escondido. Michael Kaufman revelou que tinha encontrado no arquivo do irmão um plano para fingir a sua morte. Noticiou-se que “uma alegada filha de Andy Kaufman, de 24 anos, subira ao palco numa cerimónia da entrega dos prémios com o nome do pai, para explicar que Andy Kaufman é "um óptimo pai que fica em casa, cozinha e toma conta do lar". Mas um site de entretenimento, "The Smoking Gun", revelou que a alegada filha não passava de uma atriz nova-iorquina, chamada Alexandra Tatarsky, e que não tem qualquer relação familiar com o comediante.


Tal como acontecera com “Larry Flynt”, por exemplo, Milos Forman atém-se a alguns momentos da vida de Andy Kaufman para erguer o retrato de uma personagem contraditória, difícil de definir, um ser obviamente associal, que não se integra, ou não se deixa integrar, no esquema tradicional da sociedade. Não há julgamentos morais, há quanto muito um olhar de simpatia e de certa cumplicidade, para o que concorre muito o notável trabalho de Jim Carrey, importantíssimo para conferir credibilidade a uma figura como esta.  Representando sempre no fio da navalha, entre o realismo e a toada humorista, sarcástica, Jim Carey oferece aqui um dos seus momentos de eleição. Mas Milos Forman conta ainda com uma excelente direcção artística, recriando ambientes e situações, uma fotografia a condizer, e uma montagem que subinha discretamente certas situações. Todo o elenco restante é igualmente bastante eficaz e por vezes mesmo inspirado: Danny DeVito, Paul Giamatti, Courtney Love, George Shapiro, entre outros. Um filme que nos deixa inquietos, indefinidos no olhar, perplexos quanto à personagem, por vezes incómoda, por vezes simpática, mas que é indiscutivelmente uma obra provocadora e envolvente, a que não se resiste, ame-se ou não. Curiosamente, Karaszewski e Alexander, os argumentistas, parecem especializados em temas deste tipo, já que foram eles que escreveram os argumentos de “Ed Wood”, de Tim Burton, e o já referido “Larry Flint”. Na banda sonora descobrem-se vários temas compostos pelo próprio Andy Kaufman, além de canções da banda norte-americana R.E.M. “Man on the Moon” ganhou o Globo de Ouro para Melhor Actor de Comédia ou Musical (Jim Carrey).


HOMEM NA LUA
Título original: Man on the Moon
Realização: Milos Forman (EUA, Inglaterra, Alemanha, Japão, 1999); Argumento: Scott Alexander, Larry Karaszewski; Produção: Pamela Abdy, Danny DeVito, Scott Ferguson, Michael Hausman, Michael Shamberg, George Shapiro, Stacey Sher, Howard West, Bob Zmuda; Música: R.E.M.; Fotografia (cor): Anastas N. Michos; Montagem: Adam Boome, Lynzee Klingman, Christopher Tellefsen; Casting: Francine Maisler; Design de produção: Patrizia von Brandenstein; Direcção artística: James F. Truesdale; Decoração: Maria Nay; Guarda-roupa: Jeffrey Kurland; Maquilhagem: Ve Neil, Yolanda Toussieng, Bob Zmuda; Direcção de Produção: Gerry Robert Byrne, Michael Hausman, Henning Molfenter; Assistentes de realização: Timothy Grant Engle, Stephen E. Hagen, David McGiffert, Michael Risoli, Michael Smith; Departamento de arte: Jason Bedig, Martin Bernstein, Michael Curry Sr., David Elliott, Ray Kluga, Timothy Metzger, Karla Triska; Som: Ron Bochar, Alice Byrne, Kam Chan, Gregg Harris, Pat McCarthy, Marc-Jon Sullivan, etc.; Efeitos especiais: Larry Fioritto, Virgil Sanchez; Efeitos visuais: Randall Balsmeyer, Daniel Leung; Companhias de produção:Universal Pictures, Mutual Film Company, Jersey Films, Cinehaus, Shapiro/West Productions, Tele München Fernseh Produktionsgesellschaft, British Broadcasting Corporation (BBC), Marubeni, Toho-Towa; Intérpretes: Jim Carrey (Andy Kaufman / Tony Clifton), Danny DeVito (George Shapiro), Paul Giamatti (Bob Zmuda), Courtney Love (Lynne Margulies), Gerry Becker (Stanley Kaufman, pai de Andy), Leslie Lyles (Janice Kaufman, mãe de Andy), George Shapiro (Mr. Besserman) Budd Friedman (Budd Friedman), Greyson Erik Pendry, Brittany Colonna, Bobby Boriello, Tom Dreesen, Thomas Armbruster, Pamela Abdy, Wendy Polland, Cash Oshman, Matt Price, Christina Cabot, Richard Belzer, Melanie Vesey, Michael Kelly, Miles Chapin, Isadore Rosenfeld, Vincent Schiavelli, Molly Schaffer, Howard West, Greg Travis, Maureen Mueller, Philip Perlman, Jessica Devlin, Jeff Thomas, Peter Bonerz, Howard Keystone, Howdy Doody, Brent Briscoe, Ray Bokhour, Patton Oswalt, Caroline Gibson, Conrad Roberts, Jeff Zabel, Marilyn Sokol, Angela Jones, Krystina Carson, Patricia Scanlon, Reiko Aylesworth, Michael Villani, Jim Ross, Jerry Lawler, Bob Zmuda, Johnny Legend, Doris Eaton, Yoshi Jenkins, New York City Rockettes, etc. 114 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 10 de Março de 2000.

domingo, 1 de abril de 2018

O SEM VERGONHA




O SEM-VERGONHA (1999)

Hollywood gosta de se autoparodiar e aceita de bom grado a autocrítica, se ela lhe trouxer dividendos. Desde há muito. Quem se não lembra dessa fabulosa comédia musical de Gene Kelly e Stanley Donen, “Serenata à Chuva” (Singin' in the Rain, 1952), ou mesmo desse drama denso e crispado que Billy Wilder assinou, “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950)?
Mas há muitos outros títulos a justificar amplamente uma citação, o que aqui se faz de forma muito rápida e sucinta, para avivar a memória de quem os recorda ou referi-los como boa escolha para quem os não conhece. Comecemos pelas comédias, algumas bem verrinosas, outras mais amenas e de olhar ternurento: “Tudo Boa Gente” (S.O.B, 1981), e “A Festa” (The Party, 1968), dois títulos de Blake Edwards, são dos retratos mais divertidos e desapiedados de Hollywood. “O Jogador” (The Player), de Robert Altman (1992), iguala-os. A considerar ainda “A Última Loucura” (Silent Movie), de Mel Brooks (1976), “O Maior Amante do Mundo” (The World’s Greatest Lover), de Gene Wilder (1977), “A Musa” (The Muse), de Albert Brooks (1999), “Três Amigos” (Three Amigos!), de John Landis, “As Três Noites de Susana” (Susan Slept Here), de Frank Tashlin (1954) ou, do mesmo Frank Tashlin, “Um Espada para Hollywood” (Hollywood or Bust, 1956), com Jerry Lewis que, por sua vez, nos deu um magnífico retrato de Hollywood em “Jerry 8 ¾” (The Patsy, 1964). Outros grandes actores cómicos nos ofereceram olhares sobre Hollywood, logo desde ainda na época do cinema mudo, como o fabuloso “Sherlock Holmes Jr.” (Sherlock Jr., 1924), de Buster Keaton. “Parada de Malucos” (Hellzapoppin), de H.C. Potter (1941), “A Quimera do Riso” (Sullivan’s Travels), de Preston Sturges (1942), “A Rosa Púrpura do Cairo” (The Purple Rose of Cairo, 1985) e “Recordações” (Stardust Memories, 1980), ambos de Woody Allen, “Quando Paris Delira” (Paris When It Sizzles), de Richard Quine (1964), “The Stunt Man - O Fugitivo” (The Stunt Man), de Richard Rush (1980) são outros exemplos, sendo que “Tempestade Tropical” (Tropic Thunder), de Ben Stiller (2008) e “O Artista” (The Artist), de Michel Hazavanicius (2011) são dois dos mais recentes.
Do lado do drama e do retrato por vezes negro da indústria do cinema haverá igualmente muito a citar, e quase sempre de boa qualidade, ou não fossem confissões de quem sabe do que está a falar. “Cativos do Mal” (The Bad and the Beautiful, 1952) e o seu prolongamento italiano “Duas Semanas Noutra Cidade” (Two Weeks in Another Town, 1962), ambos de Vincente Minnelli são bons exemplos para iniciar esta viagem. “O Grande Magnate” (The Last Tycoon), de Elia Kazan (1976), “Matar ou Não Matar” (In A Lonely Place), de Nicholas Ray (1950), “O Desprezo” (Le Mépris, 1963), de Jean-Luc Godard, “Os Insaciáveis” (The Carpetbaggers), de Edward Dmytryk (1964), “O Nosso Amor de Ontem” (The Way We Were), de Sydney Pollack (1973), “O Dia dos Gafanhotos” (The Day of the Locust), de John Schlesinger (1975), “Valentino”, de Ken Russell (1977), “Shampoo”, de Hal Ashby (1975), “Hollywood Boulevard”, de Allan Arkush, Joe Dante (1976), “Manobras na Casa Branca” (Wag the Dog), de Barry Levinson (1997), “LA Confidential”, de Curtis Hanson (1997), “Modern Romance”, de Albert Brooks (1981), “Ed Wood”, de Tim Burton (1994), “Deuses e Monstros”(Gods And Monsters), de Bill Condon (1998), “Mulholland Drive”, de David Lynch (2001), “Adaptação” (Adaptation) Spyke Jones (2002), “Barton Fink”, dos Irmãos Coen (1991), “Somewhere – Algures”, de Sofia Coppola (2010), “RKO 281”, de Benjamin Ross (1999), “Sete Psicopatas” (Seven Psychopaths), de Martin McDonagh (2012), “O Aviador” (The Aviator), de Martin Scorsese (2004), “State and Main”, de David Mamet (2000), “Mapas Para as Estrelas” (Maps To The Stars), de David Cronenberg (2014), entre muitos outros, abordam o universo da indústria cinematográfica norte-americana com resultados diversos, é certo, mas quase sempre interessantes. Há mesmo temas que oferecem visões distintas ao longo das décadas. “Assim Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de George Cukor, na sua versão de 1954, com Judy Garland e James Mason, é talvez o exemplo mais marcante, o mesmo Cukor dirigira “What Price Hollywood”, em 1932, com Constance Bennett e Lowell Sherman, abordando o mesmo caso da actriz envolvida com um produtor alcoólico. “Nasceu Uma Estrela” (A Star is Born), desta feita com realização de William Wellman, e interpretação de Fredric March e Janet Gaynor, data de 1937, sendo que a versão mais recente “Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de 1976, traz a assinatura de Frank Pierson, e a presença de Barbra Streisand e Kris Kristofferson.
Muito interessante é, pois, neste contexto, “Bowfinger”, que parte de um excelente argumento de Steve Martin com realização a condizer, de Frank Oz. Bowfinger (Steve Martin) é um pequeno produtor de Hollywood, sem grandes escrúpulos, que procura por todos os meios ao seu alcance, e não só, realizar o filme que o irá lançar na grande indústria. Acha que tem nas mãos o argumento da sua vida e precisa de um actor de prestígio para vender o produto. Kit Ramsey (Eddie Murphy) é o indicado, porém este nem sequer lê o script. Mas, como quem não tem cão caça com gato, Bowfinger resolve rodar o filme com o actor, sem este saber. O resultado será inesperado ...
Muito mais inesperado é o tom de violenta crítica que “O Sem-Vergonha” consegue manter ao longo de toda a obra, com uma sucessão de gags extremamente bem conseguidos e servidos por um elenco brilhante, que ajuda a fazer deste filme uma das melhores comédias de finais da década de 90.


O SEM-VERGONHA
Título original: Bowfinger
Realização: Frank Oz (EUA, 1999); Argumento: Steve Martin; Produção: Kathleen M. Courtney, Brian Grazer, Karen Kehela Sherwood, Bernard Williams; Música: David Newman; Fotografia (cor): Ueli Steiger; Montagem: Richard Pearson; Casting: Margery Simkin; Design de produção: Jackson De Govia; Direcção artística: Tom Reta; Decoração: K.C. Fox; Guarda-roupa: Joseph G. Aulisi; Maquilhagem: Gary Archer, Steve Artmont, Frank Griffin, Stacey Morris, Gloria Ponce, Rick Sharp, Alicia M. Tripi, Toy Van Lierop, Toni-Ann Walker; Direcção de Produção: Leslie J. Converse, Bernard Williams; Assistentes de realização: Michele Panelli-Venetis, Matt Rebenkoff, Evan Gilner, Basil Grillo; Departamento de arte: Marc Baird, Bryan Belair, Susan A. Burig, Matt Callahan, Les Gobruegge, Karl J. Martin, Melissa Mollo, Dawn Snyder, Rick Young; Som: Brendan Beebe, Ron Bochar, Martin Raymond Bolger, Lewis Goldstein, Dennis Jones; Efeitos especiais: Phil Cory, Richard Cory, Matthew W. Mungle; Efeitos visuais: Kelly G. Crawford, Syd Dutton, Bill Taylor; Companhias de produção:Universal Pictures, Imagine Entertainment; Intérpretes: Steve Martin (Robert K. Bowfinger), Eddie Murphy (Kit Ramsey / Jefferson 'Jiff' Ramsey), Heather Graham (Daisy), Christine Baranski (Carol), Jamie Kennedy (Dave), Adam Alexi-Malle (Afrim), Kohl Sudduth (Slater), Barry Newman (Hal, agente de Kitt), Terence Stamp (Terry Stricter), Robert Downey Jr. (Jerry Renfro), Alejandro Patiño (Sanchez), Alfred De Contreras (Martinez), Ramiro Fabian (Hector), Johnny Sanchez (Luis), Claude Brooks (Freddy), Kevin Scannell, John Prosky, Michael Dempsey, Walter Powell, Phill Lewis, Marisol Nichols, Nathan Anderson, Brogan Roche, John Cho, Lloyd Berman, Zaid Farid, Aaron Brumfield, etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Universal Pictures Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Novembro de 1999.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A VIDA É BELA


A VIDA É BELA (1997)



“A Vida é Bela” só foi uma surpresa na época da sua estreia para quem de todo desconhecesse o trabalho anterior de Roberto Begnini. É verdade que, até aí, este actor, argumentista e realizador italiano não tinha conseguido uma obra de tal forma perfeita e acabada como é o caso de “La Vita e Bella”, mas também não deixa de ser verdade que alguns dos seus filmes anteriores anunciavam um autor de comédia particularmente interessante e um actor de uma qualidade e originalidade de representação acima de média. Neste aspecto, há mesmo que referir que Begnini parece retomar uma tradição de humor muito específico de algumas regiões de Itália, nomeadamente do sul napolitano, que teve em Totò e Eduardo De Filippo os seus mais lídimos representantes.
Oriundo da Toscânia, no centro de Itália, acaba por retomar um pouco do estilo de Totò, dos monólogos sem nexo aparente, da largueza dos gestos, da franqueza da frase, da voz forte assumida como reflexo do medo. Que outro actor senão Totò, Roberto Begnini relembra quando explica como se deve servir num restaurante o frango ou a lagosta? Que outra personalidade do cinema cómico mundial poderia “traduzir” o alemão do chefe de campo de concentração senão Totò? Mas há mais: Totò era um actor que necessitava de realizações (mise-en- scène) simples, lineares. O seu tipo de interpretação impunha-o. Um bom realizador para Totò era aquele que se apagava perante o trabalho do actor, limitando-se a segui-lo. Begnini-cineasta compreende-o também, e coloca-se quase inteiramente ao serviço de Begnini-actor. Sem que, todavia, dessa subjugação do realizador ao actor exista nada de negativo. Muito pelo contrário. Um realizador tem de perceber como tirar o melhor partido do seu filme e dos elementos de que dispõe. Só isso.
Mas Begnini-realizador não se pode comparar com os medíocres directores que serviram Totò. Ele é um poeta. Um poeta de escrita simples, mas um homem de uma sensibilidade e cultura vastas. A forma como constrói esta “La Vita è Bella”, parábola sobre a guerra e o amor, demonstra-o bem, depois de o termos visto brincar com as trocas de personalidades em filmes como “Johnny Palito” ou “O Monstro”.
Erguer uma comédia sobre o holocausto nazi não é tarefa fácil. Antes de Begnini, apenas Charles Chaplin, com “O Grande Ditador”, e Jerry Lewis, com “Le Jour où le Clown Pleura” (este nunca estreado) o haviam tentado. Chaplin disse mesmo, tempos mais tarde, que se na altura já soubesse a verdadeira dimensão da monstruosidade dos campos de extermínio nazis, não conseguiria certamente realizar a obra onde parodiava Hitler. Mas Roberto Begnini sabia-o bem e não desconhecia o que iria defrontar quando se arriscou neste empreendimento. O seu filme começa mesmo como uma discreta comédia de costumes, numa pequena cidade italiana, em finais da década de 30, com Mussolini no poder e a Itália atravessada já por alguns angustiantes sintomas do que estaria para vir.
Guido (Roberto Begnini) chega a Arezzo, cidade da Toscânia, num dia de 1939. Vem acompanhado por um amigo poeta e está disposto a alugar uma loja para aí montar uma livraria. Entretanto, emprega-se como criado de mesa num restaurante do tio, e vai-se cruzando, aqui e ali, e em circunstâncias sempre imprevistas, com Dora, uma professora (que está para casar com um ufano fascista), a quem chama “Principessa” (o primeiro título de “La Vita é Bella” era mesmo “Buon Giorno Principessa”) e por quem se apaixona. Dora é uma personagem interpretada por Nicoletta Braschi, mulher do actor-realizador na vida real. Como se calcula, Dora, que não se adapta ao formalismo do seu futuro marido, escolhe a inocência poética e o imprevisto mágico de Guido, com quem foge e casa, e de quem tem um filho.
Diga-se, desde já, que há alguns momentos particularmente bem resolvidos nesta obra e um deles é precisamente uma elipse notável que assinala mais ou menos o meio da obra. Dora e Guido, em fuga, entram numa florista, a câmara imobiliza-se à porta, e, instantes depois, dessa mesma porta sai Joshua, o filho do casal, seguido pelo pai e a mãe. Num espaço de segundos, pela magia da elipse cinematográfica, alguns anos da vida de uma família são condensados no simples acto de entrar e sair de uma porta.
Alguns tempos depois, os sintomas da perseguição anti-semita instalaram-se na vida italiana. O que anteriormente poderia parecer um folclorismo (o cavalo pintado a verde, com as letras a negro: Este cavalo é judeu!) é agora uma trágica realidade. Os judeus italianos são arrebanhados e mandados em comboios de morte para os campos de extermínio alemães. Guido, Joshua, o tio são alguns desses judeus. Dora persegue-os e vai no mesmo comboio. Mas, em lugar de assumir a tragédia, Guido transforma-a aos olhos do filho num enorme jogo. Afinal, tudo aquilo não passa de uma encenação montada pelos alemães para saber quem consegue atingir os mil pontos. Não comer, dá 60 pontos, esconder-se dos guardas e nunca ser apanhado para ser enviado para os fornos crematórios, dá mais 60 pontos. E mesmo as instruções berradas pelos guardas se transformam numa patética tradução de “regras de jogo”: “Não se pode pedir comida, não se pode chorar pela mãe, e quem se portar mal leva um letreiro de idiota nas costas!”.


A reconstituição do universo concentracionário é invulgarmente bem conseguida, num espaço relativamente restrito. A entrada do comboio com os judeus é fabulosamente enquadrada de frente, seguindo-se um travelling para a esquerda que descobre a saída dos prisioneiros. Mais adiante, a camarata onde se amontoam os judeus é angustiante, relembrando planos de “A Passageira”, de Munk. Guido conta depois ao filho como os concorrentes ao jogo são numerados na roupa e na carne do braço (“para não se esquecerem”) – aqui Begnini diz-nos que o número escolhido foi o mesmo que levava Chaplin, em homenagem a “O Grande Ditador”. E os trabalhos e os dias passam, até às descobertas do horror – um espantoso plano em tons de cinza com uma montanha de cadáveres, algo que se aproxima de Brueguel ou Bosh, a que tivesse faltado a cor. Um dia a guerra acaba... e surge a razão de ser desse título premonitório: a vida, apesar de tudo, é bela.
De resto, o filme tem uma notável direcção artística, com cenários magníficos e muito bem aproveitados, desde o restaurante do tio, à casa de Guido e Dora, até todas as sequências passadas no campo de concentração. Excelente é ainda a partitura musical, com a assinatura de Nicola Piovani, que restitui um pouco do ambiente felliniano tão caro a Roberto Begnini.
Consagração de uma personalidade ímpar, “La Vita é Bella” impôs internacionalmente o nome de Robertoo Begnini. Grande Prémio do Júri, em Cannes, oito David di Donatello (os oscars italianos), entre os quais melhor filme italiano, melhor realização, melhor argumento e melhor actor do ano, e ainda sete nomeações para os Oscars, um record nunca antes atingido por um filme de língua estrangeira. Com a curiosidade de disputar o Oscar de melhor filme do ano e melhor filme estrangeiro em simultâneo, o que não acontecia desde 1969, com “Z”, de Costa Gravas. Ganhou três Oscars: Melhor Filme em Língua Não Inglesa, Melhor Actor e Melhor Música Original. Um triunfo para Robertoo Begnini e um êxito para o cinema italiano. Nos EUA, o filme bateu o record de “O Carteiro de Pablo Neruda”, atingindo um número de espectadores nunca anteriormente alcançado por um filme em língua não inglesa (quase 22 milhões de dólares de receita).


A VIDA É BELA
Título original: La vita è bella
Realização: Robertoo Benigni (Itália, 1997);
Argumento: Vincenzo Cerami, Robertoo Benigni; Produção: Gianluigi Braschi, Mario Cotone, John M. Davis, Elda Ferri, Agnès Mentre, John Rogers; Música: Nicola Piovani; Fotografia (cor): Tonino Delli Colli; Montagem: Simona Paggi; Casting: Shaila Rubin; Design de produção: Danilo Donati; Direcção artística: Danilo Donati; Decoração: Luigi Urbani; Guarda-roupa: Danilo Donati; Maquilhagem: Giusy Bovino, Martina Cossu, Walter Cossu, Maria Pia Crapanzano, Enrico Iacoponi, Federico Laurenti, Fabio Lucchetti; Direcção de Produção: Tullio Lullo, John Rogers, Pietro Sassaroli, Attilio Viti; Assistentes de realização: Gianni Arduini, Daniele Cama, Dan Edelstein, Giovanni Marino, Luigi Spoletini; Departamento de arte: Emanuela Alteri, Rosario Calascibetta, Paolo Cameli, Alberto Ciolfi, Vito Consoli, Maurizio di Clemente, Ivano Gatti, Robertoo Magagnini, Romolo Severi, Fernando Valento; Som: Benni Atria, Claudio Chiossi, Alberto Doni, Dan Edelstein, Ettore Mancini, Silvia Moraes, Tullio Morganti; Efeitos especiais: Kenneth Cassar, Giovanni Corridori; Companhias de produção: Melampo Cinematografica, Cecchi Gori Group Tiger Cinematografica; Intérpretes: Robertoo Benigni (Guido), Nicoletta Braschi (Dora), Giorgio Cantarini (Joshua), Giustino Durano (Tio Eliseo), Sergio Bini Bustric (Ferruccio), Marisa Paredes (Mãe de Dora), Horst Buchholz (Dr. Lessing), Giuliana Lojodice, Amerigo Fontani, Pietro De Silva, Francesco Guzzo, Raffaella Lebboroni, Claudio Alfonsi, Gil Baroni, Massimo Bianchi, Jürgen Bohn, Verena Buratti, Roberto Camero, Ennio Consalvi, Giancarlo Cosentino, Alfiero Falomi, Antonio Fommei, Stefano Frangipani, Ernst Frowein Holger, Alessandra Grassi, Hannes Hellmann, Wolfgang Hillinger, Patrizia Lazzarini, Concetta Lombardo, Maria Rita Macellari, Carlotta Mangione, Franco Mescolini, Andrea Nardi, Cristiana Porchiella, Antonio Prester, Gina Rovere, Richard Sammel, James Schindler, Andrea Tidona, Dirk K. van den Berg, Giovanna Villa, etc. Duração: 116 minutos; Distribuição em Portugal: LNK; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 22 de Janeiro de 1999.


ROBERTOO BENIGNI (1952 - )
Robertoo Remigio Benigni nasceu a 27 de Outubro de 1952, em Castiglion Fiorentino, Toscana, Itália. Como actor, tornou-se muito popular em Itália, na década de 1970, ao surgir numa série de TV, Televacca, que causou certo escândalo nesse tempo, e foi suspensa pela censura. Simpatizante do Partido Comunista Italiano, brinca com Enrico Berlinguer, uma figura séria da política italiana e do Partido, o que de alguma forma cria uma ruptura na maneira como os políticos italianos eram vistos e se davam a ver. Irreverente e espalhafatoso, na década de 1980 insulta o papa João Paulo II durante um importante show de TV ao vivo, sendo censurado novamente. Casado com a actriz Nicoletta Braschi (desde 1991 até ao presente), Benigni torna-se mundialmente famoso com “A Vida é Bela”, que lhe rende um enorme sucesso público e um muito apreciável conjunto de prémios e homenagens. Nos Oscares de 1999, ganha o de Melhor Actor, de Melhor Filme Estrangeiro e de Melhor Música. Mas arrecada ainda o Prémio Screen Actors Guild, o César para Melhor Filme Estrangeiro, o BAFTA para Melhor Actor, o Grande Prémio do Júri do Festival de Cannes. Posteriormente a sua carreira perdeu algum fulgor. Mas continua igualmente a trabalhar como actor para outros realizadores, como Fellini ou Jim Jarmusch.

Filmografia
Como actor: 1972: Sorelle Materassi (TV); 1976: Onda libera (TV); 1977: Berlinguer ti voglio bene, de Giuseppe Bertolucci; 1978: Letti selvaggi (Com Elas Todo o Cuidado É Pouco) de Luigi Zampa; 1979: La Luna (A Lua), de Bernardo Bertolucci; I giorni cantata, de Paolo Pietrangeli; 1979: Clair de femme (A Luz da Paixão), de Costa-Gavras; Chiedo asilo (O Amigo das Crianças), de Marco Ferreri; Ma che cos'è questo amore (TV); 1980: Pipicacadodo, de Marco Ferreri; 1981: Il minestrone, de Sergio Citti; 1982: Morto Troisi, viva Troisi! (TV); 1983: Tu mi turbi: Benigno (episódios "Durante Cristo", "In banca","Angelo", "I due milliti"); 1985: Non ci resta che piangere, de Roberto Benigni, Massimo Troisi;  986: Coffee and Cigarettes, de Jim Jarmusch (curta-metragem); 1986: Cinématon n°801, de Gérard Courant; 1986: Down by Law (Vencidos pela Lei), de Jim Jarmusch; 1988: Il Piccolo Diavolo (O Pequeno Diabo), de Roberto Benigni; 1990: La Voce della luna (A Voz da Lua), de Federico Fellini; 1991: Johnny Stecchino (Johnny Palito), de Roberto Benigni; 1991: Night on Earth (Noite na Terra), de Jim Jarmusch; 1993: Son of the Pink Panther (O Filho da Pantera Cor de Rosa) de Blake Edwards; 1994: Il Mostro (O Monstro), de Roberto Benigni; 1997: La vita è bella (A Vida é Bela), de Roberto Benigni; 1998: Astérix et Obélix contre César (Astérix & Obélix Contra César), de Claude Zidi; 2002: Pinocchio (Pinóquio), de Roberto Benigni; 2003: Coffee and Cigarettes (Café e Cigarros), de Jim Jarmusch (episódio "Strange to Meet You"); 2005: La Tigre e la neve (O Tigre e a Neve), de Roberto Benigni; 2010: La commedia di Amos Poe (voz); 2012: To Rome With Love (Para Roma com Amor), de Woody Allen.

Como realizador: 1983: Tu mi turbi; 1984: L'addio a Enrico Berlinguer (Documentário); 1985: Non ci resta che piangere; 1988: O Pequeno Diabo; 1991: Johnny Palito; 1994: O Monstro; 1997: A Vida é Bela; 2002: Pinóquio; 2005: O Tigre e a Neve.

domingo, 28 de maio de 2017

AS NOITES LOUCAS DO DR. JERRYLL


AS NOITES LOUCAS DO DR. JERRYLL (1963)

Há muitos estudiosos da obra de Jerry Lewis que afirmam que “The Nutty Professor” é o filme mais completo e perfeito deste cineasta. Por mim, “The Patsy” ocupa essa preferência, não andando muito longe, porém, desta genial adaptação da obra de Robert Louis Stevenson, no original intitulada “The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde” (na sua tradução portuguesa “O Médico e o Monstro”) e que já de si deu origem a variadíssimas versões cinematográficas. Mas curiosamente nenhuma com a intenção subscrita por Jerry Lewis. Na verdade, o que o romance de Stevenson pressupõe é uma interpretação psicanalítica da personalidade de cada ser humano, normalmente dividida entre duas posições, coexistentes no seu interior, predispondo-se ora para o Bem ora para o Mal, consoante uma ou outra dessas tendências se sobreponha à outra. Pode dizer-se que será um confronto entre a natureza animal do ser humano, e o seu duplo civilizado, educado, ensinado a viver em comunidade. 
No clássico de Robert Louis Stevenson o que preexiste é um cientista, um médico bem integrado na sociedade que, mercê de uma fórmula por si inventada, deixa a descoberto o lado maligno da sua personalidade. Daí “o médico e o monstro”. Mas em quase todas as versões conhecidas, o médico é um ser normal (o que é que isso quero dizer já de si), e o monstro é mesmo “monstro”, em todas as acepções do termo. Foi assim com John Barrymore, na primeira adaptação, ainda muda, assinada por John S. Robertson (1920), foi assim com Fredric March, no filme de Rouben Mamoulian (1931), continuou assim com Spencer Tracy, ao lado de Ingrid Bergman, no título de Victor Fleming, voltou a ser com Jack Palance, no telefilme de Charles Jarrott (1968), e ainda com Christopher Lee, ao lado do seu inseparável Peter Cushing, em “Eu, Monstro” (I, Monster), de Stephen Weeks (1971), ou com Kirk Douglas, na versão televisiva de David Winters (1973). 
Há dezenas e dezenas de versões, em imagem real e animação, oriundas de todos os pontos do globo, a cores e a preto e branco, quase sempre em estilo de terror, mas também em paródia, há musicais e teenagers movies, há obras-primas e coisas inenarráveis, e existe uma versão espantosa de Jean Renoir, “O Testamento do Médico e do Monstro” (Le testament du Docteur Cordelier), com uma fenomenal interpretação de Jean-Louis Barrault (1959). De resto, para muito proximamente anunciam-se, pelo menos, duas novas versões, ambas norte-americanas, assinadas por Jesse MaGill (com o próprio no protagonista), e por B. Luciano Barsuglia (com Gianni Capaldi). 
Um mundo inesgotável, mas com uma progressão dramática mais ou menos estabelecida. Jerry Lewis modifica a norma e introduz uma alteração extremamente curiosa. O professor Julius Kelp é um cientista lunático, que dá aulas na universidade, e que um dia, através de uma receita mágica por si inventada, dá corpo a Buddy Love, um ídolo de multidões, bem vestido e aprumado, egoísta até dizer basta, insuportavelmente convencido, cantor de fazer desmaiar toda a plateia feminina, e etc. O bem apresentável é um ser odioso, o despistado, temeroso e estouvado professor é afinal quem se salva como pessoa. 


Este o esquema geral de “As Noites Loucas do Dr. Jerryll” onde a inventiva e o originalidade do humor de Jerry Lewis atine um dos seus estádios mais elevados e brilhantes. Jerry é o artista completa, escreve o argumento (de colaboração com seu habitual colaborador Bill Richmond), produz, realiza e interpreta e com actor veste a pele de duas personagens extremamente diferentes, opostas mesmo, canta, dança, utiliza processos do cinema mudo, não esquece as lições que Tashlin lhe trouxe do cinema de animação, mas não esquece o som e desenvolve alguns gags puramente sonoros que se aliam magnificamente ai humor visual e gestual. Em suma, um pequeno génio do cinema cómico que se afirma ainda como um “autor” integral. Q uem vir por exemplo este filme e “The Patsy” em sessões seguidas, perceberá que ambos querem dizer o mesmo: ninguém deve querer ser o que não é. Realmente todos os filmes de Jerry estão impregnados por uma filosofia de vida óbvia, O cineasta realiza obras para toda a família, onde o humanismo predomina. Depois há várias constantes nos seus filmes. Os jovens são particularmente visados, os bailes de estudantes e de fim de curso aparecem em quase todos eles, o gosto pelo espectáculo, pelo cinema (e, neste particular, pelo cinema mudo e o burlesco) e pelos velhos comediantes é visível na homenagem que ostensivamente os elencos escolhidos representam, o amor triunfa sempre, ainda que raramente exista um happy end definitivo (“The Nutty Professor” apresenta mesmo vários finais).  

AS NOITES LOUCAS DO DR. JERRYLL 
Título original: The Nutty Professor
Realização: Jerry Lewis (EUA, 1963); Argumento: Jerry Lewis, Bill Richmond; Produção: Ernest D. Glucksman, Arthur P. Schmidt; Música: Walter Scharf; Fotografia (cor): W. Wallace Kelley; Montagem: John Woodcock; Casting: Edward R. Morse; Direcção artística: Hal Pereira, Walter H. Tyler; Decoração: Robert R. Benton, Sam Comer; Guarda-roupa: Edith Head; Maquilhagem: Nellie Manley, Jack Stone, Wally Westmore, Agnes Flanagan; Direcção de Produção: Hal Bell, William Davidson; Assistentes de realização: Ralph Axness, Jack Barry, William R. Poole; Departamento de arte: Martin Pendleton; Som: Charles Grenzbach, Hugo Grenzbach; Efeitos visuais: Paul K. Lerpae; Companhias de produção: Paramount Pictures, Jerry Lewis Enterprises; Intérpretes: Jerry Lewis (Professor Julius Kelp / Buddy Love), Stella Stevens (Stella Purdy), Del Moore (Dr. Mortimer S. Warfield), Kathleen Freeman (Millie Lemmon), Med Flory (Warzewski – jogador de futebol), Norman Alden (jogador de futebol /estudante), Howard Morris (Mr. Elmer Kelp), Elvia Allman (Edwina Kelp), Milton Frome (Dr. M. Sheppard Leevee), Buddy Lester (Barman), Marvin Kaplan, David Landfield, Skip Ward, Julie Parrish, Henry Gibson, Les Brown and His Band of Renown, Murray Alper, Roger Bacon, Todd Barron, Mel Berger, Nicky Blair, Billy Bletcher, Les Brown Jr., Mushy Callahan, Hugh Cannon, Seymour Cassel, Selette Cole, Lorraine Crawford, George DeNormand, Robert Donner, Art Gilmore (Narrador), etc. Duração: 107 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 31 de Janeiro de 1964. 


JERRY LEWIS E A COMÉDIA NORTE-AMERICANA
A comédia americana teve, entre os anos 20 e 30 do século XX, um período particularmente brilhante, durante o qual o burlesco foi rei. São desta época os nomes de Charles Chaplin, Buster Keaton, Mack Sennett, Harold Lloyd, Irmãos Marx, W. C. Fields, Harry Langdon, Laurel e Hardy, Chester Conckin, Mack Swain, Mabel Normand, Ben Turpin, Larry Sernon, Fatty Arbuckle, Charley Chase, Andy Clyde, Louise Fazenda, Joe. E. Brown e alguns mais.
Utilizando os mais variados processos e recorrendo a figuras de características muito diversas, os actores atrás mencionados nada deixaram de pé, após a sua passagem explosiva e purificadora. Era o período das gargalhadas mortíferas que provocavam uma autêntica política de "terra queimada". Depois seguiu-se um tempo relativamente descolorido e medíocre que caracterizou as duas décadas seguintes e se prolongou ameaçadoramente pelos anos de 60. Havia ainda em 40 cineastas como Frank Capra, Leo McCarey, Frank Tashlin, Howard Hawks, George Stevens, entre outros, que nos deram comédias admiráveis. Mas nunca mais apareceu o grande cómico de completa autoria. Os homens para todo o serviço, do drama à comédia, abundavam, em contrapartida. Referimo-nos a Norman Taurog, Michael Gordon, Henry Koster, George Marshall, Normam Panama, Richard Thrope, Joshua Logan, Norman Jevison (na sua primeira fase), Charles Walters, George Sidney, etc., etc. O que não quer dizer que por vezes esses realizadores não lograssem obras de referir. Já na década de 60, como exemplo, aqui deixamos alguns títulos que melhor ilustram a permanência de um género de tradições nobres nos E.U.A: “Conversa de Travesseiro” (Michel Gordon), “Ela e os seus Maridos” (J. lee Thompson), “Uma Americana em Paris” (Robert Parrish), “O Mundo Maluco” (Stanley Krarner), “Vêm aí os Russos!” (Norman Jewison), “As Noivas do Papá” ou “Quando Ele era Ela” (Vincente Minnelli), etc.
Mas os anos de 60, para além de meia dúzia de revelações, rodam-se sob os auspícios de Billy Wilder (“Quanto Mais Quente, Melhor”, “Beija-me Idiota”, “O Apartamento”, “Irma, La Douce”, “Como Ganhar um Milhão”, “A Vida Intima de Sherlock Holmes”, “Amor à Italiana” ou “A Primeira 'Página”); Richard Quine (“Sortilégio de Amor”, “Quando Paris Delira”, “A Ingénua e o Atrevido”, “Como Matar sua Mulher”); Blake Edwards (“A Pantera Cor-de-Rosa”, “Um tiro às Escuras”, “A Grande Corrida à Volta do-Mundo”, “What Did Vou Do in the War Daddy?” ou “A Festa”) e Jerry Lewis. Sobretudo Jerry Lewis. Retomando a tradição dos grandes criadores (Chaplin, Keaton, Marx, Lloyd, etc.), Jerry Lewis foi por essa altura o único a poder ombrear com o nome dos seus geniais predecessores. Posteriormente haveria que ter em conta um autor/actor como Woody Allen (“O Inimigo Público”, “Bananas”, “O Grande Conquistador”. “O ABC do Amor”, “O Herói do Ano 2.000” e tantos outros filmes que alternam a comédia e o drama, por vezes num registo de belíssimo humor da melhor tradição judaica da língua yiddish), ou um cineasta também actor (e também judeu) como Mel Brooks (“O Falhado Amoroso”, “Balbúrdia no Oeste” ou “Frankenstein Júnior”). A verdade é que Jerry Lewis, Woody Allen e Mel Brooks asseguraram um lugar insubstituível ao "humor judeu" norte-americano. Depois do riso demolidor dos irmãos Marx, depois da turbulência exaustiva de Bucha e Estica, depois do trágico lirismo de um Chaplin ou Keaton, Jerry Lewis, sobretudo a partir de 1960 (data da sua primeira realização, “Jerry no Grande Hotel”), aparece-nos como o mais directo continuador desses cómicos geniais.
A carreira de Jerry Lewis pode dividir-se cronologicamente em três períodos de características definidas, denunciando um esforço contínuo e sistemático de renovação e superação, de amadurecimento de linguagem e enriquecimento de processos.
Quando, em 1949, Hal Wallis contrata a dupla Jerry Lewis-Dean Martin, oferecendo-lhe uma carreira na Paramount, ele pensava sobretudo em arranjar substitutos para uma outra dupla que caía progressivamente em descrédito (Abbott e Costello). Durante alguns anos, grande parte do público e a maioria da crítica teimou em ver neles sucessores menores do burlesco. Jerry Lewis, embora colocado nos “top ten” dos filmes do ano (no que se refere a receitas, logo a adesão de público), era crismado de "palhaço", mero fazedor de "caretas" gratuitas, cómico de segundo plano. Raros foram os eleitos que, para lá do aparente desinteresse de certos filmes (devido à banalidade de alguns argumentos e à mediocridade da realização de quase todos), vislumbraram uma personalidade própria, um cómico de características seguras, um actor que, de obra para obra, aperfeiçoava o seu jogo, dominava os fabulosos recursos histriónicos e gestuais, impondo uma figura e, por detrás dela, uma personalidade.
Nesta primeira época, que vai até 1956, Jerry Lewis (sempre acompanhado por Dean Martin) interpretou dezasseis títulos que, de um modo geral, parodiaram, de forma irregular e resultados variáveis, algumas instituições americanas e diversos "géneros" da cinematografia daquele país. Ele havia passado pelas forças armadas, satirizando o exército ("Recrutas... Sentido"), a marinha ("Marujo, o Conquistador"), a aviação, melhor dizendo, os paraquedistas ("Os Heróis do Medo"), e também as experiências atómicas e o sensacionalismo dos mass media ("O Rapaz Atómico"), o golf ("O Grande Jogador"), as corridas de cavalos ("Dinheiro em Caixa"), o filme de terror ("O Castelo do Terror"), o western ("O Rei do Laço"), o circo ("O Rei do Circo"), o show business ("O Estoira Vergas"), os comics, o filme de gangsters e o "musical" ("Pintores e Raparigas"), Hollywood e o star system ("Um Espada para Hollywood), etc.
À mediocridade de alguns destes filmes, opõe-se a riqueza de imaginação, a vertiginosa sucessão de gags, a fulgurante acutilância crítica de um Frank Tashlin (autor de "Pintores e Raparigas" e "Um Espada para Hollywood"), cuja colaboração com Jerry Lewis parece ter sido profundamente influente na futura carreira do actor. Somente, e por instantes, Norman Taurog se lhe assemelha, nalgumas sequências de "Os Estoiras Vergas", "O Rapaz Atómico" ou "Barbeiro e Professor". Muito, porém, do que de melhor vários destes filmes da primeira fase de Jerry Lewis comportam é-lhe ainda devido, dado que, sob diversos pseudónimos, é o actor quem interfere ao nível da criação de gags e seu desenvolvimento. Com a ruptura verificada em 1956 entre Jerry Lewis e Dean Martin (ruptura essa que é consequência em grande parte, de ciúmes deste último, em virtude do êxito popular do sócio, que lhe ensombrava a imagem), o primeiro torna-se o seu próprio produtor, rodando sob a direcção de Tashlin (de alguma forma, a partir daqui, seu "mestre espiritual"), várias obras de que é protagonista isolado: "Jerry, Ama-seca", "Jerry no Japão", "Cinderelo dos Pés Grandes", "Dinheiro e só Dinheiro", "Um Namorado com Sorte", "Jerry, Enfermeiro sem Diploma", entremeadas com outras que não se lhes comparam em importância e significado. Os contornos da figura de Jerry Lewis vão-se definindo, ganhando contextura, multiplicando-se já em heterónimos, partes de um mesmo todo que o actor pulveriza em direcções diversas. Entre a grande ingenuidade e o profundo pânico perante a realidade que o cerca e a que se não consegue adaptar facilmente, entre a pesada herança do matriarcado e o pavor do sexo oposto, entre o culto abnegado da amizade, que o conduz a situações de excessiva boa vontade (que contra ele próprio se voltam), e a crueldade da humilhação física e moral a que constantemente o sujeitam, entre a inconsciência do perigo e a solidão desesperante, Jerry vai progressivamente desenhando uma personagem que, em traços excessivos é certo, mas de rara lucidez, nos devolve a fisionomia do americano médio, povoado de temores e frustrações, aterrorizado (e fascinado) pelo envolvimento mecânico, pela agressividade do comportamento, pelos traumas colectivos. Um dia, o crítico Robert Benayoun chamou-lhe um "anti-James Dean" e com alguma razão, dado que a figura de "desadaptado" em relação à realidade social norte-americana se expressa a um nível de total desromantização, de ruptura risível. Produto de uma sociedade industrializada até à medula, competitiva ao desregramento, ele é o retrato robot desse descontrolamento geral, que em termos sociológicos se poderá chamar "alienação". Uma personagem em busca de uma identidade, de um equilíbrio impossível, eis Jerry Lewis.
A partir de 1960, à dupla responsabilidade de actor-produtor, alia a de realizador e argumentista creditado. O cómico atingiu a estatura de "autor total" e assume-se por inteiro. "Jerry no Grande Hotel" assinala a estreia e, daí em diante, dez títulos impõem-no como uma das grandes certezas não só da comédia americana, como da cinematografia moderna. Em 1963, com "As Noites Loucas do Dr. Jerryll" (que será possivelmente uma das suas obras mais perfeitas), adapta "O Médico e o Monstro", de Robert L. Stevenson e, a partir dessa base, critica asperamente uma América onde o "intelectual é vexado e ridicularizado e cujo génio é motivo para gracejos perpétuos (Julius Kelp) e onde o monstro da agressiva vulgaridade (Buddy Love) é preferido e louvado" (Benayoun dixit).

JERRY LEWIS (1926 -)
Jerry Lewis, de seu verdadeiro nome Joseph Levitch, nasceu em Newark (New Jersey), EUA, em 16 de Março de 1926. Filho de um casal de comediantes (o pai, Danny Lewis, actor de "vaudeville"; a mãe, Ray Rothberg, pianista de "cabaret"), teve uma infância atribulada, em constantes deambulações, ora sob a educação de algumas tias, ou de sua avó Sarah. Os estudos foram igualmente acidentados, tendo permanecido alguns anos na Irvington High School onde, aos catorze anos - depois de algumas aparições episódicas em "cafés-concertos" onde o pai actuava - se estreia no teatro da escola e depois no Mosque Theatre. Um dia, porém, quando um instrutor de trabalhos manuais lhe diz que "todos os judeus são estúpidos", ele responde-lhe com um vibrante soco que, obviamente, o expulsará da escola. Aos quinze anos irá procurar trabalho. Empregado de um "drugstore", vendedor de legumes, empregado numa fábrica de chapéus, são experiências que, posteriormente, irá rever em sequências de filmes seus. Em 1940, Jerry Lewis entra para os estúdios da Paramount, em Nova lorque, como operário de estúdio. Assim se inicia a viagem de aproximação de Jerry Lewis aos holofotes de cena, das luzes do espectáculo. Um dia, um actor inglês, Reginafd Gardiner, inventa-lhe um número de imitação de cantores e actores como Sinatra, Betty Hutton, Danny Kaye, etc. Em 1944, já Jerry Lewis trabalha com algum êxito nos cinemas da cadeia Paramount. Canta nas orquestras de Tommy Dorsey e de Ted Fiorito, onde encontra uma outra cantora de nome Patti Palmer, com quem vem a casar nesse mesmo ano. Com vinte anos, Jerry Lewis encontra um tal Dino Crocetti, vulgarmente conhecido por Dean Martin, com quem iria associar-se. A 25 de Julho de 1946, no Club 500, de Atlantic City, estreia-se a dupla que irá sucessivamente aparecer no Casino Latin, de Chicago, no Havana-Madrid, de Nova lorque, no Capital Theater, de Washington, no Slapey Saxie, de Hollywood, no Copacabana, de Nova lorque. Será aqui precisamente, em 1949, que o produtor Hal Wallis os irá "descobrir" e oferecer-lhes um interessante contrato de longa duração na Paramount, contrato que irá prolongar-se até 1956. Entretanto, entre 1948 e 1949, apareceram numerosas vezes na televisão, particularmente no primeiro "Toast of the Town", que se tornará mais tarde no célebre "Ed Sullivan Show" (1948). Em 1950, Jerry Lewis é eleito "Most Promising Male Star in TV" (o mais promissor actor masculino). Em 1949 aparece pela primeira vez no cinema, em “My Friend Irma”, de George Marshall. Igualmente na rádio as actuações da dupla são muito notadas, nomeadamente na "Colgate Comedy Hour". Em 1951, declaram-no "o actor mais popular de Hollywood" e, entre os anos de 51 a 54, a dupla Lewis-Martin é considerada um dos "top ten money-making stars". Em 1955, 1956 e 1959 é "mestre-de-cerimónias" na atribuição dos Oscars de Hollywood. Entretanto, em 25 de Julho de 1956, Dean Martin e Jerry Lewis, depois de alguns anos de trabalho em comum, e de algumas desavenças (sobretudo em virtude dos "ciúmes" de Martin, que se considerava ultrapassado pelo seu sócio), separam-se definitivamente, fazendo a sua última aparição em conjunto no Copacabana de Nova lorque. Em 1958, Jerry Lewis e a Paramount assinam um contrato, pelo qual o actor será obrigado a interpretar catorze filmes, à média de dois por ano. Em 1960, estreia-se como realizador em "The Bellboy". Em 1966, deixa a Paramount e toma-se um produtor independente, rodando quer para a Columbia, para a Fox, a Warner ou a United Artists.
Desde os seus inícios no cinema, Lewis fundou a sua própria produtora, "Ron-Gar" e dirigiu numerosas curtas-metragens, "pastiches" de filmes célebres (como "O Mundo a seus pés" ou "Até à Eternidade"), interpretados por si próprio e por amigos como Janet Leigh e Tony Curtis. Por outro lado, sabe-se que ele mesmo dirigiu muitos filmes e espectáculos da parelha, deixando aparecer as assinaturas de Hal Waker ou Norman Taurog para não vexar Dean Martin. Fora dos seus filmes, Jerry Lewis dá espectáculos todos os anos, durante dois meses, em Las Vegas. Na TV (onde interpretou o seu único papel em "The Jazz Singer"), além de numerosas aparições em emissões ("Today", último trabalho ao lado de Dean Martin, "Person to Person", "Youth Wants to Know", etc.), foi vedeta de "The Colgate Comedy Hour" (com Dean Martin, de 1950 a 1955), "The Martin and Lewis Show" (dirigido, entre outros, por Bud Yorkin). A 21 de Setembro de 1963, criou o "Jerry Lewis Show", filmado no "Jerry Lewis Theatre", inaugurado na circunstância. Produzido por Jerry, dirigido por John Dorsey, escrito por Lewis, Bill Richmond, Bob Howard e Dick Cavett, foi o primeiro espectáculo regular de duas horas, "em directo" da televisão americana. Participaram nos primeiros "Jerry Lewis Shows" (a série foi interrompida, em virtude de ter sido mal recebida pelos críticos, mas também porque nela apareceriam demasiados "judeus e negros"), além de J. L. e, entre outros Harry James, Dei Moore, Jimmy Durante, Bob Stack, Jack Jones, Sammy Davis Jr., Les Browns e a orquestra, Carl Reiner, Mickey Rooney, Peter Falk, Sid Caesar, Stanley Kramer, etc.
Jerry Lewis possui uma estação de rádio privada: a K.J.P.L.É ainda a figura principal de um magazine de "histórias em quadradinhos" que tem o seu nome. Gravou igualmente vários discos e fundou um curso de arte dramática. Utiliza os alunos nos seus filmes. Todas as películas interpretadas por Jerry Lewis (até 1965) foram produzidas pela Paramount, em geral por Hal Wallis e depois pelo próprio Jerry Lewis. A sua casa produtora chamou-se primeiramente York-Films e depois Jerry Lewis Films Incorporated. A partir de 1965, o actor preferiu produzir inteiramente os seus filmes e entregá-los depois a uma companhia que os distribui internacionalmente. Caso da Columbia, para “Uma Poltrona para Três” e “O Charlatão”; caso de United Artists para “One More Time”, por exemplo.
Jerry tentou igualmente a construção de uma cadeia de pequenos cinemas. Os E.U.A. e o Canadá chegaram a contar mais de cem salas e inaugurou o primeiro "Jerry Lewis Cinema" na Europa, em Paris. A partir dos anos 70, a sua estrela deixou de brilhar tão intensamente. Filmes como “Vai Trabalhar, Malandro!” ou “Jerry Tu és Louco” foram relativos fracassos de bilheteira. Alguns cineastas lembram-se dele para aparições de homenagem, como em “O Rei da Comédia”, de Martin Scorsese (1982), “Cookie”, de Susan Seidelman (1989), “Sábado à Noite”, de Billy Crystal e “Arizona”, de Emir Kusturica (ambos de 1992) ou “Comédia Louca”, de Peter Chelsom (1995). Presentemente anunciam-se projectos onde vai surgir: “The Trust”, de Alex Brewer, Ben Brewer (2016), ou “Big Finish”, do argentino Martin Guigui (em preparação).

Principais filmes:
1. Filmes da dupla Jerry Lewis / Dean Martin
1949: My Friend Irma (A Minha Amiga Irma), de George Marshall; 1950: My Friend Irma Goes West (A Minha Amiga Maluca), de Hal Walker; At War with the Army (Recrutas...Sentido!), de Hal Walker; That's My Boy (Eles no Colégio), de Hal Walker; 1952: Sailor Beware (Marujo, o Conquistador), de Hal Walker; Jumping Jacks (Os Heróis do Medo), de Norman Taurog; 1953: The Stooge (O Estoira-Vergas), de Norman Taurog; Scared Stiff (O Castelo do Terror), de George Marshall; The Caddy (O Grande Jogador), de Norman Taurog; 1954: Money From Home (Dinheiro em Caixa), de George Marshall; Living it Up (O Rapaz Atómico), de Norman Taurog; Three Ring Circus (O Rei do Circo), de Joseph Pevney; 1955: You're Never Too Young (Barbeiro e Professor), de Norman Taurog; Artists And Models IPintores e Raparigas), de Frank Tashlin; 1956: Pardners (O Rei do Laço), de Norman Taurog; Hollywood or Bust (Um Espada para Hollywood), de Frank Tashlin.

2. Filmes protagonizados por Jerry Lewis
1957: The Delicate Delinquent (O Delinquente Delicado), de Don McGuire; The Sad Sack (O Herói do Regimento), de George Marshall; 1958: Rock A Bye Baby (Jerry Ama-Seca), de Frank Tashlin; The Geisha Boy (Jerry no Japão), de Frank Tashlin; 1959: Don't Give Up the Ship (Capitão sem Barco), de Normal Taurog; 1960: Visit to a Small Planet (O Primeiro Turista do Espaço), de Norman Taurog; Cinderella (Cinderelo dos Pés Grandes), de Frank Tashlin; 1962: It's Only Money (Dinheiro e Só Dinheiro), de Frank Tashlin; 1963: Who's Minding the Store (Um Namorado com Sorte), de Frank Tashlin; 1964: The Disorderly Orderly (Jerry, Enfermeiro sem Diploma), de Frank Tashlin; 1965: Boeing-Boeing (Boeinq-Boeinq), de John Rich; 1966: Way ... Way Out (Um Maluco em Órbita), de Gordon Douglas; 1968: Don't Raise The Bridge, Lower The River (Jerry em Londres), de Jerry Paris; 1969: Hook, Llne And Sinker (Jerry, Pescador em Águas Turvas), de George Marshall;
Para além destes filmes, onde Jerry Lewis desempenha sempre o principal papel, outros houve onde fez curtas aparições, como guest star: 1959: Lll'Abner (No País da Alegria), de Norman Panama; 1963: It's A Mad, Mad, Mad, Mad World (0 Mundo Maluco), de Stanley Kramer; 1982: “The King of Comedy” (O Rei da Comédia), de Martin Scorsese; 1989: “Cookie”, de Susan Seidelman, 1992: “Mr. Saturday Night” (Sábado à Noite), de Billy Crystal e “Arizona”, de Emir Kusturica, ou 1995: “Funny Bones” (Comédia Louca), de Peter Chelsom). 

3. Realizações de Jerrv Lewis

1960: The Bellboy (Jerry no Grande Hotel); 1961: The Ladie's Man (0 Homem das Mulheres); The Errand Boy (O Mandarete);1963: The Nutty Professor (As Noites do Dr. Jerryl); 1964: The Patsy (Jerry 8 3/4); 1965: The Family Jewels (Jerry e os 6 Tios); 1966: Three on a Couch (Uma Poltrona para Três); 1967: The Big Mouth (0 Charlatão); 1969: Which Way to the Front? (0nde Fica a Guerra?); 1970: One More Time (0 Morto Era o Outro); 1972: Le Jour ou le Clown Pleura (filme congelado por um diferendo entre o produtor e J. Lewis); 1980: Hardly Working (Vai Trabalhar, Malandro!); 1983: Smorgasbord (Jerry, Tu és Louco).

domingo, 21 de maio de 2017

JERRY 8 3/4


JERRY 8 3/4 (1964)

Com “The Nutty Professor” (As Noites do Dr. Jerryl), de 1963, “The Patsy” (Jerry 8 3/4), do ano seguinte, Jerry Lewis afirma-se não só como um dos grandes génios da comédia cinematográfica, mas igualmente como um grande cineasta e um autor completo. Ele não é só o actor que reinventa um género, mas também um argumentista talentoso e extremamente inteligente e, ao mesmo tempo, um realizador subtil, sensível, inovador, moderno. 
“The Patsy” em português pode ter várias interpretações, desde pacóvio, tolo, ingénuo, trouxa, bode expiatório mas, em todas elas, acabará por resumir-se a alguém que, pelas suas características, facilmente se deixa enganar. O título português procura apanhar o impacto de Fellini 8 ½, estreado anos antes, para o associar a esta obra de Jerry que também se passa no mundo do cinema. Não é a Cinecittà de Fellini, mas Hollywood. A Hollywood dos sonhos de Malcolm Smith, um certo cinéfilo fanático de “Um Espada para Hollywood” que agora surge na figura de um empregado de hotel na meca do cinema, que um dia se descobre elevado à categoria de estrela do mundo do espectáculo, sem que tenha feito nada para isso.


Na verdade, nas imagens iniciais a câmara acompanha o despenhar de um avião e sabe-se depois que entre os passageiros se encontrava o célebre comediante Wally Brandford. Os jornais choram a morte do popular actor, mas a sua equipa chora o facto de poder vir a ficar sem emprego. Quem escreve os guiões, quem trata do marketing, quem responde ao correio, quem se ocupa da imagem do actor, quem apura a voz ou quem examina os contratos, sem actor fica desempregado. A menos que surja rapidamente alguém que o substitua. Mas quem pode ser esse alguém, que seja suficientemente ingénuo e manejável para se adaptar ao papel? É nessa altura da reunião que entra Stanley Belt (Jerry Lewis) com a bandeja com taças e champanhe para a equipa afastar as mágoas. A entrada é, como se espera, a mais desastrada possível e Stanley é desde logo olhado como possível sucessor do defunto. E todos se aprestam em transforar o desajeitado bell boy num actor de primeiríssima água. Lições de dicção, de música, de arte de representar, de boas maneiras, idas ao alfaiate das vedetas (onde Stanley Belt quer fatos ao jeito de George Raft e descobre ali ao lado o seu intérprete preferido), visitas a cabeleireiros de nomeada, tudo fazem os membros da equipa para não ficarem no desemprego. Mas a personagem visada não mostra qualquer tipo de progressos nesta difícil arte de ser quem não é. Ele é duro de ouvido para gravar canções, mas a oportunidade é excelente para se assistir a um fabuloso trio de cantoras, todas elas interpretadas por Jerry Lewis de forma magistral. Dão-se festas de lançamento da nova coqueluche de Hollywood, o que permite a Stanley recordar outros bailes da sua juventude onde tudo corre mal. Mas na festa cruza-se com Hedda Hopper, a própria, uma das mais célebres bisbilhoteiras de Los Angeles, a quem faz notar o horrível chapéu que exibe. Ela acha graça e começa a lançar as bases da moralidade do filme: a autenticidade é o mais importante a vida. Só quando Stanley se descobre igual a si próprio, durante um “The Ed Sullivan Show”, é que a magia nasce. “Tentaram transformar-me no que não sou”, lamenta-se Stanley Belt. O argumento de Jerry Lewis e Bill Richmond é extremamente bem desenvolvido e inteligente na forma como analisa alguns aspectos da máquina de criar e triturar vedetas do mundo do “show business”, no artificialismo desta fábrica de sonhos (a cena final procura mesmo “mostrar” como realidade e ficção se podem associar na manipulação do espectador). A fotografia de W. Wallace Kelleyé magnífica, bem como o cuidado posto na decoração e nos ambientes. Na interpretação, Jerry Lewis procura obviamente homenagear alguns grandes actores como Peter Lorre, Everett Sloane, Phil Harris, Keenan Wynn, John Carradine ou a jovem e bonita Ina Balin, que constituem a equipa órfã de vedeta, mas também uma série de outros que aparecem fugazmente nos chamados “cameos” e que vão dos já citados George Raft, Hedda Hopper ou Ed Sullivan, a Ed Wynn, Mel Tormé, Rhonda Fleming, Scatman Crothers, Phil Foster, Billy Beck, Hans Conried, Richard Deacon, Del Moore, Neil Hamilton, Buddy Lester, Nancy Kulp, Norman Alden, Jack Albertson, Richard Bakalyan, Jerry Dunphy, Kathleen Freeman, Norman Leavitt, Eddie Ryder, Lloyd Thaxton, Lorne Greene, Pernell Roberts, Michael Landon, Dan Blocker e Fritz Feld. Até o argumentista Bill Richmond tem uma curta aparição, como pianista. Personalidades umas mais conhecidas do grande público do que outras (mas todas bastante reconhecíveis para as plateias norte-americanas), o seu aparecimento nesta obra é um óbvio reconhecimento do seu talento e uma justa homenagem do cineasta aos seus pares. Este foi o último filme de Peter Lorre, que morre antes da sua estreia, e um dos derradeiros de Everett Sloane (este actor desaparece depois de integrar outro filme ao lado de Jerry Lewis, “The Disorderly Orderly”, igualmente de 1964). 
“The Patsy” inicialmente chamava-se “Son of Bellboy”, procurando de certa forma ser uma continuação de “The Bellboy” (Jerry no Grande Hotel), primeira realização de Jerry Lewis em 1960. Inclusive o protagonista de ambos chama-se Stanley. 
Curiosidades extras: a cena inicial do desastre de avião foi inicialmente rodada para "The Mountain" (A Montanha), de Edward Dmytryk (1956). Introduzida com aproposito nesta obra. Existe um filme de 1928, interpretado por Marion Davies, chamado igualmente “The Patsy”. Nada a ver com este.
JERRY 8 3/4 
Título original: The Patsy 
Realização: Jerry Lewis (EUA, 1964); Argumento: Jerry Lewis, Bill Richmond; Produção: Ernest D. Glucksman, Arthur P. Schmidt; Música: David Raksin; Fotografia (cor):W. Wallace Kelley; Montagem: John Woodcock; Casting: Edward R. Morse; Direcção artística: Cary Odell, Hal Pereira; Decoração: Sam Comer, Ray Moyer; Guarda-roupa: Edith Head; Maquilhagem: Nellie Manley, Wally Manley, Harry Ray, Jack Stone, Wally Westmore; Direcção de Produção: William Davidson; Assistentes de realização: Ralph Axness, Dale Coleman, Howard Roessel; Departamento de arte: Jim Cottrell, Earl Olin, Gene Lauritzen, Martin Pendleton; Som: Howard Beals, Charles Grenzbach, Hugo Grenzbach, Bud Parman; Efeitos visuais: Farciot Edouart, Paul K. Lerpae; Companhias de produção: Paramount Pictures, Patti Enterprises; Intérpretes: Jerry Lewis (Stanley Belt / SingCantoras do Trio), Ina Balin (Ellen Betz), Everett Sloane (Caryl Fergusson), Phil Harris (Chic Wymore), Keenan (Harry Silver), Peter Lorre (Morgan Heywood), John Carradine (Bruce Alden), Hans Conried (Prof. Mulerr), Richard Deacon (Sy Devore), Del Moore (policia), Scatman Crothers (engraxador), Neil Hamilton (barbeiro), Buddy Lester, Nancy Kulp, Lloyd Thaxton, Norman Alden, Jack Albertson, Henry Slate, Gavin Gordon, Ned Wynn, Rhonda Fleming (Rhonda Fleming), Phil (Mayo Sloan), Hedda Hoppe (Hedda Hopper), George Raft (George Raft), Mel Tormé (Mel Tormé), Ed Wynn (Ed Wynn), Ed Sullivan (Ed Sullivan), The Four Step Brothers (The Step Brothers), etc. Duração: 101 minutos; Distribuição em Portugal: Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 6 anos. 



JERRY LEWIS E A COMÉDIA NORTE-AMERICANA
A comédia americana teve, entre os anos 20 e 30 do século XX, um período particularmente brilhante, durante o qual o burlesco foi rei. São desta época os nomes de Charles Chaplin, Buster Keaton, Mack Sennett, Harold Lloyd, Irmãos Marx, W. C. Fields, Harry Langdon, Laurel e Hardy, Chester Conckin, Mack Swain, Mabel Normand, Ben Turpin, Larry Sernon, Fatty Arbuckle, Charley Chase, Andy Clyde, Louise Fazenda, Joe. E. Brown e alguns mais.
Utilizando os mais variados processos e recorrendo a figuras de características muito diversas, os actores atrás mencionados nada deixaram de pé, após a sua passagem explosiva e purificadora. Era o período das gargalhadas mortíferas que provocavam uma autêntica política de "terra queimada". Depois seguiu-se um tempo relativamente descolorido e medíocre que caracterizou as duas décadas seguintes e se prolongou ameaçadoramente pelos anos de 60. Havia ainda em 40 cineastas como Frank Capra, Leo McCarey, Frank Tashlin, Howard Hawks, George Stevens, entre outros, que nos deram comédias admiráveis. Mas nunca mais apareceu o grande cómico de completa autoria. Os homens para todo o serviço, do drama à comédia, abundavam, em contrapartida. Referimo-nos a Norman Taurog, Michael Gordon, Henry Koster, George Marshall, Normam Panama, Richard Thrope, Joshua Logan, Norman Jevison (na sua primeira fase), Charles Walters, George Sidney, etc., etc. O que não quer dizer que por vezes esses realizadores não lograssem obras de referir. Já na década de 60, como exemplo, aqui deixamos alguns títulos que melhor ilustram a permanência de um género de tradições nobres nos E.U.A: “Conversa de Travesseiro” (Michel Gordon), “Ela e os seus Maridos” (J. lee Thompson), “Uma Americana em Paris” (Robert Parrish), “O Mundo Maluco” (Stanley Krarner), “Vêm aí os Russos!” (Norman Jewison), “As Noivas do Papá” ou “Quando Ele era Ela” (Vincente Minnelli), etc.
Mas os anos de 60, para além de meia dúzia de revelações, rodam-se sob os auspícios de Billy Wilder (“Quanto Mais Quente, Melhor”, “Beija-me Idiota”, “O Apartamento”, “Irma, La Douce”, “Como Ganhar um Milhão”, “A Vida Intima de Sherlock Holmes”, “Amor à Italiana” ou “A Primeira 'Página”); Richard Quine (“Sortilégio de Amor”, “Quando Paris Delira”, “A Ingénua e o Atrevido”, “Como Matar sua Mulher”); Blake Edwards (“A Pantera Cor-de-Rosa”, “Um tiro às Escuras”, “A Grande Corrida à Volta do-Mundo”, “What Did Vou Do in the War Daddy?” ou “A Festa”) e Jerry Lewis. Sobretudo Jerry Lewis. Retomando a tradição dos grandes criadores (Chaplin, Keaton, Marx, Lloyd, etc.), Jerry Lewis foi por essa altura o único a poder ombrear com o nome dos seus geniais predecessores. Posteriormente haveria que ter em conta um autor/actor como Woody Allen (“O Inimigo Público”, “Bananas”, “O Grande Conquistador”. “O ABC do Amor”, “O Herói do Ano 2.000” e tantos outros filmes que alternam a comédia e o drama, por vezes num registo de belíssimo humor da melhor tradição judaica da língua yiddish), ou um cineasta também actor (e também judeu) como Mel Brooks (“O Falhado Amoroso”, “Balbúrdia no Oeste” ou “Frankenstein Júnior”). A verdade é que Jerry Lewis, Woody Allen e Mel Brooks asseguraram um lugar insubstituível ao "humor judeu" norte-americano. 
Depois do riso demolidor dos irmãos Marx, depois da turbulência exaustiva de Bucha e Estica, depois do trágico lirismo de um Chaplin ou Keaton, Jerry Lewis, sobretudo a partir de 1960 (data da sua primeira realização, “Jerry no Grande Hotel”), aparece-nos como o mais directo continuador desses cómicos geniais. 
A carreira de Jerry Lewis pode dividir-se cronologicamente em três períodos de características definidas, denunciando um esforço contínuo e sistemático de renovação e superação, de amadurecimento de linguagem e enriquecimento de processos. 
Quando, em 1949, Hal Wallis contrata a dupla Jerry Lewis-Dean Martin, oferecendo-lhe uma carreira na Paramount, ele pensava sobretudo em arranjar substitutos para uma outra dupla que caía progressivamente em descrédito (Abbott e Costello). Durante alguns anos, grande parte do público e a maioria da crítica teimou em ver neles sucessores menores do burlesco. Jerry Lewis, embora colocado nos “top ten” dos filmes do ano (no que se refere a receitas, logo a adesão de público), era crismado de "palhaço", mero fazedor de "caretas" gratuitas, cómico de segundo plano. Raros foram os eleitos que, para lá do aparente desinteresse de certos filmes (devido à banalidade de alguns argumentos e à mediocridade da realização de quase todos), vislumbraram uma personalidade própria, um cómico de características seguras, um actor que, de obra para obra, aperfeiçoava o seu jogo, dominava os fabulosos recursos histriónicos e gestuais, impondo uma figura e, por detrás dela, uma personalidade. 
Nesta primeira época, que vai até 1956, Jerry Lewis (sempre acompanhado por Dean Martin) interpretou dezasseis títulos que, de um modo geral, parodiaram, de forma irregular e resultados variáveis, algumas instituições americanas e diversos "géneros" da cinematografia daquele país. Ele havia passado pelas forças armadas, satirizando o exército ("Recrutas... Sentido"), a marinha ("Marujo, o Conquistador"), a aviação, melhor dizendo, os paraquedistas ("Os Heróis do Medo"), e também as experiências atómicas e o sensacionalismo dos mass media ("O Rapaz Atómico"), o golf ("O Grande Jogador"), as corridas de cavalos ("Dinheiro em Caixa"), o filme de terror ("O Castelo do Terror"), o western ("O Rei do Laço"), o circo ("O Rei do Circo"), o show business ("O Estoira Vergas"), os comics, o filme de gangsters e o "musical" ("Pintores e Raparigas"), Hollywood e o star system ("Um Espada para Hollywood), etc. 
À mediocridade de alguns destes filmes, opõe-se a riqueza de imaginação, a vertiginosa sucessão de gags, a fulgurante acutilância crítica de um Frank Tashlin (autor de "Pintores e Raparigas" e "Um Espada para Hollywood"), cuja colaboração com Jerry Lewis parece ter sido profundamente influente na futura carreira do actor. Somente, e por instantes, Norman Taurog se lhe assemelha, nalgumas sequências de "Os Estoiras Vergas", "O Rapaz Atómico" ou "Barbeiro e Professor". Muito, porém, do que de melhor vários destes filmes da primeira fase de Jerry Lewis comportam é-lhe ainda devido, dado que, sob diversos pseudónimos, é o actor quem interfere ao nível da criação de gags e seu desenvolvimento. Com a ruptura verificada em 1956 entre Jerry Lewis e Dean Martin (ruptura essa que é consequência em grande parte, de ciúmes deste último, em virtude do êxito popular do sócio, que lhe ensombrava a imagem), o primeiro torna-se o seu próprio produtor, rodando sob a direcção de Tashlin (de alguma forma, a partir daqui, seu "mestre espiritual"), várias obras de que é protagonista isolado: "Jerry, Ama-seca", "Jerry no Japão", "Cinderelo dos Pés Grandes", "Dinheiro e só Dinheiro", "Um Namorado com Sorte", "Jerry, Enfermeiro sem Diploma", entremeadas com outras que não se lhes comparam em importância e significado. Os contornos da figura de Jerry Lewis vão-se definindo, ganhando contextura, multiplicando-se já em heterónimos, partes de um mesmo todo que o actor pulveriza em direcções diversas. Entre a grande ingenuidade e o profundo pânico perante a realidade que o cerca e a que se não consegue adaptar facilmente, entre a pesada herança do matriarcado e o pavor do sexo oposto, entre o culto abnegado da amizade, que o conduz a situações de excessiva boa vontade (que contra ele próprio se voltam), e a crueldade da humilhação física e moral a que constantemente o sujeitam, entre a inconsciência do perigo e a solidão desesperante, Jerry vai progressivamente desenhando uma personagem que, em traços excessivos é certo, mas de rara lucidez, nos devolve a fisionomia do americano médio, povoado de temores e frustrações, aterrorizado (e fascinado) pelo envolvimento mecânico, pela agressividade do comportamento, pelos traumas colectivos. Um dia, o crítico Robert Benayoun chamou-lhe um "anti-James Dean" e com alguma razão, dado que a figura de "desadaptado" em relação à realidade social norte-americana se expressa a um nível de total desromantização, de ruptura risível. Produto de uma sociedade industrializada até à medula, competitiva ao desregramento, ele é o retrato robot desse descontrolamento geral, que em termos sociológicos se poderá chamar "alienação". Uma personagem em busca de uma identidade, de um equilíbrio impossível, eis Jerry Lewis. 
A partir de 1960, à dupla responsabilidade de actor-produtor, alia a de realizador e argumentista creditado. O cómico atingiu a estatura de "autor total" e assume-se por inteiro. "Jerry no Grande Hotel" assinala a estreia e, daí em diante, dez títulos impõem-no como uma das grandes certezas não só da comédia americana, como da cinematografia moderna. Em 1963, com "As Noites Loucas do Dr. Jerryll" (que será possivelmente uma das suas obras mais perfeitas), adapta "O Médico e o Monstro", de Robert L. Stevenson e, a partir dessa base, critica asperamente uma América onde o "intelectual é vexado e ridicularizado e cujo génio é motivo para gracejos perpétuos (Julius Kelp) e onde o monstro da agressiva vulgaridade (Buddy Love) é preferido e louvado" (Benayoun dixit).